domingo, 13 de junho de 2010

O disse-me-disse no jornalismo pró-Serra
Emanoel Barreto

Uma das coisas que mais debato com meus alunos em sala de aula é quanto à diferença entre fato de ação e fato de declaração. O primeiro é substantivo, é aquele acontecimento com começo meio e fim, é relativamnte imprevisível e dotado de carga dramática que intervém no quadro geral de valores de uma sociedade, em função de que proporciona quebra da cotidianidade: um acidente, um crime, um jogo de futebol.

Quanto ao fato declaratório é eivado de substância ideológica e, não estando preso a alguma forma de comprovação, exaure-se na sua simples assertiva. É caracterizado pelo verbo "dizer", como ocorreu com a manchete da Folha de hoje: "Governo banca esquadrão de militantes, diz Serra". Pronto. Está aí um fato declaratório clássico: alguém afirma, mas não prova, alguma coisa.

E o jornal, por aliança implícita com o candidato, o eleva à condição de manchete da primeira página. O acontecimento de assertiva, sem aquele vínculo com algum tipo de prova é uma ocorrência oca, vazia de maior sentido social, mas de qualquer maneira guinchado à manchete.

Isso não quer dizer que uma afirmativa não tenha em si valor jornalístico intrínseco. Mas isso somente se dá quando o ato frasal está enriquecido por circunstâncias graves, como a leitura de um veredicto, o discurso de ator social em momento histórico grandioso, como a conclamação pública contra um sistema ditatorial ou contestando alguma outra forma perversa de realidade sociopolítica.

No caso da Folha o pronunciamento de Serra foi apenas uma bravata, engravatando sua candidatura à presidência da República. Se o PT fizesse alguma acusação contra ele teria o mesmo destaque? Se você é aluno de jornalismo, pense a respeito.

O DIÁRIO DE BICALHO

Querido Diário,

Desde alguns dias venho notando estranhas transformações em minha sogra. Velhota arisca, espantadiça. Eu já vinha desconfiando de seus comportamentos há muitos anos, mas, ontem, tive a confirmação: a louca quer me matar, imagine só. Tarde da noite, quando saí do quarto para tomar água, flagrei a virago segurando enorme faca, igualzinha àquela usada no filme Psicose. Tremi.

Quando ela me viu, escondeu rapidamente a terrível arma em seu horroroso xale e deu-me um sorrizinho falso, sabe? Um sorrizinho de serpente. Não sei se você sabia, mas as serpentes sorriem antes de atacar suas vítimas. E eu, que sou uma vítima incorrigível, tomei cá minhas precauções.

Primeiro: não bebo mais café servido por ela. Pode ter veneno. Segundo: quando saio à noite pelos corredores de minha casa, uso sempre um colete à prova de balas velho que me foi dado por um amigo da polícia. Pode ser que ela tenha comprado um revólver. Terceiro: como não tenho em quem confiar para pedir conselhos sobre tais fatos ameaçadores, vou agora mesmo falar com a minha sogra.

Sabe por quê? Simples: somente um criminoso pode nos ajudar quando se trata de pedir socorro contra os criminosos. Vou perguntar: "Querida sogrinha, se a senhora fosse me matar como faria?". Espero que ela tenha a bondade de me informar. Afinal, isso demonstra o quando confio em sua inteligência e, claro, capacidade de me matar.

Respeitosamente,
Bicalho

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