segunda-feira, 4 de julho de 2011

Abaixo, bela reflexão da professora Josimey Costa a respeito do jornalismo.


A comunicação, o ensino e as pessoas no mundo
Profª Drª Josimey Costa da Silva

Aos formandos de Comunicação Social

Radialismo e Jornalismo - março de 2008

UFRN

          A primeira vez em que pensei em dizer o que vem a seguir foi em 2000, quando fui convidada para ser paraninfa, mas não cheguei a proferir o discurso. Havia, à época, uma noção muito distorcida do que significa ser um profissional da comunicação neste estado e qualquer pessoa, como eu, que criticasse quando necessário as práticas de profissionais e de empresas da comunicação causava uma certa ansiedade. Tanto que fui convidada e logo depois desconvidada... Mas guardei o discurso! E como se pode lucrar com o tempo, haja vista a venda de segundos pela televisão, acredito mesmo que lucrei, pois os tempos hoje são outros. Hoje posso falar e os alunos que aqui se formam podem ter certeza de que isso não vai tirar um emprego sequer de nenhum deles. Há mais espaço para a crítica, há muito mais liberdade para fazer diferença porque o campo da comunicação no Rio Grande do Norte está mudando. E muito.
Queridos alunos, que me permitiram experimentar um gosto que eu não tive no passado, muito obrigada por tão gentilmente me homenagearam com o convite para ser sua paraninfa. Aprendi muito com o seu caminhar os primeiros passos do jornalismo e do radialismo e por tudo o que vi e ouvi, só posso dizer que tenho muito orgulho de vocês, dos alunos que foram e dos profissionais que, com certeza, serão.
Depois disso, posso dizer, enfim, algo sobre o nosso campo de estudo e de trabalho.
As sociedades humanas são fundadas na comunicação. Entre os humanos, é na comunicação, no olhar de um ser para o outro, que toda a condição de humanidade se estabelece. Somos humanos porque nos reconhecem assim, porque nos reconhecemos como seres iguais a outros, também considerados humanos. Portanto, sem comunicação, não há vida humana. É a comunicação que nega a insularização primordial, essencial de cada ser humano.


 A palavra comunicação, do ponto de vista etimológico, é o que pertence a todos ou a muitos. Comunicar, portanto, é o ato de tornar comum, fazer saber. Mas bem a propósito, a acepção “tornar comum” vem em primeiro lugar, e a razão pode ser encontrada buscando-se as raízes da palavra ação: ato, efeito, obra. Comunicação, assim, deve ser entendida como aquele ato de tornar comum que visa a uma nova ação. É assim que entendo a comunicação, e é essa a concepção que quero partilhar com todos aqui, especialmente com meus ex-alunos, hoje colegas, vocês que são o motivo maior da minha presença neste momento. 


A comunicação é cultura e vice-versa. Mas o que tem isso mesmo a ver com o ensino numa universidade? É óbvio que as universidades não existiriam sem comunicação social. Não existe educação sem comunicação. Não existem aulas, não existem livros, não existem professores nem alunos sem a comunicação. E o quê as universidades têm feito pela comunicação humana?


         As primeiras escolas superiores eram cooperativas de alunos. Alunos que eram senhores maduros, oriundos de centros de comércio, interessados em conhecimento geral, na época chamado de essências universais. Nada dessa moçada universitária que a gente conhece hoje, portanto.
No século 13, universidades de eruditos desenvolveram-se em organismos jurídicos com estruturas administrativas bem definidas. Essas estruturas geraram a massa crítica de pensamento fundamental para o surgimento do Renascimento e do Iluminismo como renovação da cultura humana.
Numa universidade contemporânea, se repassa o saber discursivamente formulado e se transforma cada uma das esferas da experiência humana num saber racional, assegurando-se a sua utilização técnica. Nessa confluência entre o saber e a sua utilização é que reside a essência da universidade atuais.
Na universidade, deve-se questionar, principalmente, a dimensão institucional da comunicação e dos meios, e não somente a dimensão instrumental. Deve-se buscar uma formação crítica, um conhecimento dos princípios do saber para além das suas meras aplicações. As aplicações puras são do âmbito do saber técnico. O saber mais amplo, que insere a técnica no contexto social e cultural, na dimensão humana: isso é o saber universitário.
Assim, o papel da universidade não é apenas produzir técnicos de nível superior. A universidade tem responsabilidade numa formação mais humanística, e não somente para o desenvolvimento de habilidades técnicas e de conhecimento desvinculado do agir social.
Hoje em dia, temos escassas oportunidades de refletir sobre o que fazemos e sobre como o fazemos nestes tempos em que se vive, simultaneamente, todas as dimensões contraditórias da história, nestes tempos em que as horas se transformam celeremente em segundos. Se as universidades formam profissionais capazes de refletir e atuar nos processos da comunicação - ou seja, no próprio cerne da vida social - poderemos intervir conscientemente na construção do mundo em que vivemos, na sociedade em que estamos inseridos. Poderemos, efetivamente, dirigir os nossos destinos.
Utopia? Talvez. Especialmente se continuarmos a trilhar o caminho que já estamos seguindo. Fazer pensar, levar a conhecer não é fácil, nem se consegue de qualquer jeito. As sociedades humanas evoluíram a tal ponto que o construir o conhecimento e conhecer o próprio processo de conhecimento são aventuras cada vez mais complexas. No mínimo, é preciso condições adequadas para o conhecimento florescer. No caso das universidades, espaços físicos, laboratórios, instrumentais, equipamentos. É indispensável, também, a presença daquela figura, que entra na constituição de qualquer ser humano adulto letrado contemporâneo: o professor. O professor ainda e sempre, é necessário, pois ele tem uma função importante a desempenhar na construção do conhecimento e na utilização social desse conhecimento, segundo princípios que não podem jamais se dissociar de um agir ético. Ele tem a responsabilidade de introduzir humanidade no processo do ensino-aprendizagem.
         Ética é o ramo do conhecimento que pondera sobre a conduta humana, estabelecendo os conceitos do bem e do mal, numa determinada sociedade, em determinada época, mas segundo princípios universais de respeito à vida. A ética também pode ser entendida como o exercício de um olhar sobre si com vistas ao agir moral. Através dela, se pode analisar e aprofundar os fatos morais dos quais podem ser deduzidas as regras para o comportamento humano. 
O pensar ético parte do princípio de que todo homem, espontaneamente, deve saber o que é bom e o que é mau, que ações devem ser praticadas, e quais não. Isso seria próprio da natureza do homem. A política visa o bem comum; a ética política visa os meios de se atingir esse bem comum. 


         Podemos pensar que, hoje, a comunicação social é ditada grandemente por interesses comerciais nos veículos de massa; que as universidades têm suas própria existência ameaçada pelo risco de se tornarem apenas fábricas de técnicos de nível superior; que a ética serve principalmente para a elaboração de códigos inócuos de um exercício profissional questionável; que a sociedade, enfim, desaba numa indesejável entropia excesso de individualismo. 


Mas eu prefiro um exercício de otimismo crítico. Vocês sabem, o pessimista diz que é possível, mas muito difícil. E o otimista diz que é muito difícil, mas perfeitamente possível. Eu sou desse time.


Qualquer sistema como uma sociedade, ou um sistema de comunicação, são estruturas muito complexas. Envolvem diversos elementos em correlação constante e sua existência e desenvolvimento estão em dependência direta da sua capacidade de reformulação contínua. Há, na própria natureza desses sistemas, uma capacidade de aut-eco-organização que surpreende muitas vezes os analistas, os experts, ao abrir rumos em direções inesperadas. As disputas eleitorais são exemplares nessa área.


Agora, mesmo, estamos vivendo uma discussão importantíssima sobre o que é a comunicação pública. Em 2000, essa discussão não passava dos discursos não lidos dos professores universitários. Hoje está em todos os jornais, nas agendas da câmara e do senado federal. São ou não são tempos novos e muito mais estimulantes? E isso nada mais é do que reorganização. 


É justamente na reorganização que cabe uma ação ética por parte de todos nós. A ação que visa o bem comum é que pode alterar a marcha da entropia e reorganizar os sistemas responsáveis pela nossa existência. Isso não é utópico, não é só teórico, nem está distante de nós. Isso diz respeito a cada um que está aqui, a mim e aos concluintes, a quem me dirijo especialmente.


         Sejamos éticos no agir. Lembremo-nos de que a comunicação visa a ação comum, e a sobrevivência de cada um e de todos depende de visarmos, com essa comunicação, o bem comum. O que nós fazemos como comunicadores necessariamente tem efeito social e nos cabe uma responsabilidade enorme por isso. Não nos enganemos imaginando que nossos atos só dizem respeito a nós mesmos, que o nosso trabalho só deve beneficiar a nós mesmos e que o resto do mundo é o resto. Só existimos porque esse mundo existe. Por isso, ele não é o resto. O mundo somos nós. Nós o afetamos tão profundamente quanto ele nos afeta.


         Portanto, sejamos éticos no ensinar, sejamos éticos no aprender, sejamos éticos no comunicar, sejamos éticos no viver. Não entendo vida de outra forma. E não poderia desejar nenhuma outra coisa a vocês.

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