sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Alberany, o abominável, entra em contato com o Marquês de Camisão e seus vizires: um papagaio e uma anta

Terra Brasilis, 12 de junho de 1730

Ó vós, que ledes minhas estultices perigosas e excêntricas, acautelai-vos dos meus ignóbeis intentos. Eis o que se vos diz:
 
 Chegando à casa do Marquês de Camisão encontramo-lo, eu e a grei que me acompanha, empoleirado em grande árvore plantada no centro de monumental sala de estar da sua opulenta moradia. Empoleirado em um galho o Marquês, que estava de camisão, dialogava com papagaio palrador e uma circunspecta anta. Ambos empoleirados a seu lado.

O Marquês tinha enormes unhas nos pés o que facilitava enormemente seu labor de estar em um poleiro. O papagaio, enorme e dando aparência de ser muito sábio, era naturalmente apto a tal mister. Enquanto a anta, animal habilidosíssimo, não tinha dificuldades de equilibrar os cascos no galho onde se apunha. Logo percebi que estava presenciando ato de grande magnitude: convivial e douta assembléia de três magníficos viventes a quem Deus dera permissão de existir.

O aio que nos levara a tão sábias entidades curvou-se em profunda reverência, o mesmo fazendo eu toda a maloca de infames que me acompahava. Quem sois?, indagou o Marquês. Respondemos em coro eu, Peró, o chefe do bando, e o estalajadeiro que nos havia chamado a procurar tão alta figura: somos comerciantes e homens de empreitada, investidores e banqueiros e gostaríamos que Vossa Mercê se dignasse a nos ouvir e a nossos sóbrios propósitos. 

Aconteceu então algo que nos deixou maravilhados: o Marquês deu um salto da altura de onde se encontrava. E seu camisão abriu-se tão graciosamente que ele flutuou pela sala, fazendo acrobacias e dignos gestos, ademanes corteses e galantes. Subia e descia. O ar era seu amigo e logo concluímos que seria um digno membro da família de Ícaro e isso em linha direta. O papagaio também fazia graciosos movimentos, compondo um balé magnífico com o Marquês. E a anta, movimentanto suas orelhas, volteava, dando grande dimensão àquela cena encantadora.

Aplaudimos fervorosamente. As carpideiras que nos acompanhavam entoaram cânticos de louvor e os rezadores que conosco seguiam rezaram alto, agradecendo por presenciar tão engrandecedor milagre. Afinal o Marquês e seus afáveis conselheiros chegaram ao chão. E o fizeram com tanta leveza que sentimo-nos obrigados a novo e vibrante aplauso.

Sois então grandes homens?, inquiriu, soberano. Sim, nós o somos, respondemos. Então, o que quereis de mim, que sou pobre e humílimo servidor de poderes mais altos? Ó, respondemos, sois bondoso e modesto senhor, pois que tendes condição de operar maravilhas mas, ainda assim, não assumis a soberba ou a frívola vaidade.
O Marquês, homem prático e de bom senso, convidou-nos a sentar à uma vasta mesa. Mucamas e aios e aias nos serviam de dulcíssimos acepipes e o faziam com curvaturas e beleza. Então, ele nos questionou qual o motivo da visita. Como foi dito, enfatizei, viemos parlamentar e nos colocar a vossa disposição para empreitadas e ações, progresso e descobertas grandiosas, respondi, já sabedor que estava em presença de melífluo homem. Nobre, mas tão bandido quanto as facas dos muitos mandriões que se encontravam a meu lado.

Sois alquimistas também? Sim, nós o somos, respondeu Peró. Suportamos dores e sofrimentos para desenvolver nossos cientificíssimos saberes, e tudo pela causa da humanidade, só pela causa da humanidade. Destarte, enfatrizou o Marquês, viestes ao lugar certo. Tenho a meu lado dois sábios homens, o papagaio e a anta, meus conselheiros e vizires, a iluminar-me com suas sabenças e filosofia. São, ambos, filósofos e metafísicos, sabedores e falazes. 

Sei, disse eu, que encontro-me em augusta assembleia e humildemente dela queremos participar. Sendo assim, comemorou o Marquês, vamos a nos falar, que muito temos a nos dizer. E pediu ao papagaio que nos desse orientações e preciosos ensinamentos. E falou o ilustre pássaro, dando um profundo trago em cachimbo qaue viemos depois e saber era recheado de  ópio, maravilhosa e boa substância vinda diretamente da China para aclarar as ideias daquele privilegiado sábio.
Conforme deveis saber, começou ele assim a falar, o mundo precisa de descobertas e invenções, artifícios e primores. Ó, dissemos nós. Sendo assim, continuou ao perceber o efeito que obtivera, implemento todo o meu saber, que não é pouco, a causa mui nobre que são o esclarecimento e a iluminação das mentes pouco afiladas. 

E o que faremos, quis saber eu, para trazer luz às mentes mentecaptas e aos pensares pouco doutos? Eis a questão, respondeu aquele ser de grandes dotes. Eis a questão, continuou. Faremos grandes experiências com os parvos e os dementes, os grãos-bobos e os demais que veem do povo, a fim de que se capacitem ao trabalho mais elevado e contribuam para com o mundo, dando-lhe melhor feição.
(Continua)
Imagem: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://guerradepipoca.files.wordpress.com/2009/04

Nenhum comentário: