quinta-feira, 30 de março de 2006

Banalização da Carta Magna

"Muitas vezes a inteligência
vale mais que o conhecimento."
(Einstein)

O jornalista Walter Medeiros envia artigo cuja transcrição segue abaixo.


O mundo tem visto a repetição cotidiana de imagens que, antigamente, a ficção seria acusada de imaginar demais, caso as produzisse em películas cinematográficas. A aventura destruidora e mortal do presidente Bush no Iraque, com mortes aos milhares, depois da aventura louca no Afeganistão, em busca de Osama Bin Laden, que até hoje não encontrou.


Aqueles campos de prisioneiros criados pelos americanos em Guantânamo, que vez por outra vêm à tona, mostrando imagens horrorosas, que só lembram os campos nazistas, e tantas outras situações fartamente “ilustram” os telejornais através dos relatos sobre a vida, o poder e a morte dos traficantes de drogas e outros.

Os produtores do Fantástico, por exemplo, parece que perderam a noção do próprio nome do programa e transformaram a chamada revista eletrônica do domingo em mais um programa de reportagem policial; não bastasse o Linha Direta, que presta seus serviços e desserviços também toda semana.

Desta forma vai se consolidando na sociedade a cultura do fato policial em primeiro lugar, invertendo completamente a ordem de interesse que qualquer sociedade saudável tem, de deixar para o vulgo as páginas ensangüentadas dos jornais caça-níqueis.

Pois esta banalização da violência vai mais longe e começa a contaminar os ambientes onde se podia esperar que não ocorresse, em vista de certos mantos protetores que encontramos nos regimentos e regulamentos internos das casas legislativas.

E chega pelas vozes de advogados que, a título de discutirem questões ligadas ao cotidiano dos processos administrativos e judiciais, extrapolam no linguajar, de forma completamente diferente daqueles tempos em que se usava o latim no âmbito jurídico e a linguagem chula era rechaçada, para manter elevado o nível das discussões.

O fato que motiva estas considerações se deu no dia 28.03.2006 durante reunião da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal. Tratavam sobre as vantagens ou desvantagens de implantar a chamada Super-Receita e para tanto vieram representantes de diversos setores do serviço público federal e entidades representativas de categorias profissionais envolvidas na questão.

Os argumentos até que eram fortes e pertinentes, mas de uma hora para outra começaram a achar que havia um desamparo de certos setores que, devido à legislação vigente, teriam desvantagens ou desequilíbrio ante as regalias estatais.
Meses atrás escrevi artigo sobre violência, onde enumerava as formas como a sociedade recebe ou é invadida pela mídia, principalmente, com termos incitantes, muitas vezes utilizados até inadvertidamente e sem nenhuma intenção de cultuá-los.


No futebol, tudo é “gang”, “máfia”, “tiro de longe”, “vamos agredir mais”, “vamos combater”, etc. Fato que se repete em programas, novelas e telejornais. Da mesma forma que nas escolas as crianças e jovens usam termos que nem no chamado baixo meretrício usavam antigamente.

Mas o que chocou naquela discussão entabulada no Senado Federal, com transmissão ao vivo para todo o Brasil, foi a explicação que altos funcionários (altos pelo menos no status) da Receita Federal, que condenavam o poder de certo colegiado de decidir contra o contribuinte sem opção de recurso.

Aquele que teria um leque imenso de palavras a utilizar para representar sua indignação foi tão longe e, o pior, sem qualquer estranheza dos presentes, para definir em três palavras o que achava do cerceamento dos direitos dos contribuintes: “Estupraram a Constituição”.

A afirmação, esdrúxula - por mais metafórica que tenha sido - constitui um desrespeito àquele documento que veio trazer um novo ordenamento jurídico para o Brasil, no rumo da legalidade e da legitimidade. Diz a doutrina e a lei, sobre o estupro: “crime contra os costumes consistente em constranger mulher, mediante violência ou grave ameaça, a manter conjunção carnal.”

Aceitar com naturalidade aquelas palavras, seria o mesmo que considerar normal as ocorrências costumeiras nos presídios, onde os presos que declaram com ar de sabedoria o Artigo do Código Penal onde estão enquadrados, cometem mais crimes ao alegarem que fazem justiça com as próprias mãos, para punir os estupradores que chegam com o fim de cumprir suas sentenças.
(
walterm.nat@terra.com.br )

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