Minhas conversas com Cascudo, quando ele ensinava: “Todo homem é digno do seu tempo”
Por Emanoel Barreto
Conversar com Cascudo era descobrir um tempo velho passando à minha frente. Era
mergulhar na história arcaica escrita pelo povo em suas vivências, eternamente sertão.
Era virar páginas e páginas inteiras de cores, fandangos, jangadas, bichos e
gentes; vozes de acá, nascidas ibéricas ou africanas. Conversar com Cascudo era
perscrutar a vida no seu mais íntimo significado de coisa humana e bela, humana e triste
Conversar com Cascudo eram tardes
alongadas, quando ele me ensinava, envolto na densa nuvem azulada do charuto: “Barreto,
todo homem é digno do seu tempo.” Ou seja: nós construímos nosso tempo – vamos arcar
com as consequências. E completava: “Plantar é colher...”
Conversar com Cascudo era
descobrir um homem feito de sabedoria. Conversar com Cascudo era viajar o chão
do sertão, a brenha secreta da caatinga; cruviana esfriando o passo do cavalo
do vaqueiro em noite de plenilúnio: arrepio com medo de lobisomem.
Conversar com Cascudo era
alumbrar-se com as visagens, os cantos do povo, os aboios, a comida da terra;
caçuás, canga e cantiga de botar menino para dormir. Conversar com Cascudo era
ouvir o tempo severo do Nordeste em sua eterna e serena espera pela chuva
criadeira.
Conversar com Cascudo era ouvir o
sábio que se confessava “um provinciano incurável”, morador desta Natal tão
dele e tão pequena. Conversar com Cascudo agora é uma saudade, quando a vida já
não anda em cavalo baixeiro e estamos todos à mercê e ao léu do não-sei-mais.
Cascudo não está mais aqui, já
não tenho quem me mande “baixar noutro terreiro” após cada entrevista. Mas nunca
esqueci quando ele uma vez me disse: “Vá baixar noutro terreiro, Barreto; mas, quando
quiser, pode voltar...”
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