
Emanoel Barreto
Mexendo nos arquivos do Coisas de
Jornal encontrei o texto que abaixo reproduzo a título de reflexão.
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Tornou-se bastante comum a
utilização pelo establishment da memória de pessoas que lhes foram
contestatárias – na busca de proveito ideológico ou econômico do próprio sistema. O caso
mais evidente é Guevara, na foto imortal de Alberto Korda, em 5 de março de
1960, Cuba. A reprodução que você vê acima é da foto original, da qual foi
realçada unicamente a imagem de Guevara, excluindo-se a figura do homem a seu
lado.
O guerrilheiro teve a imagem
ampliada, ganhou discursividade visual, tornou-se penetrante, enigmática,
desafiadora às interpretações. Expressa uma grandeza humana e trágica, um
destino brotado na alma e palmilhado à força da coragem e doação. Guevara, o
olhar perdido, encarnando o mito rebelde. O comandante traz um semblante crístico,
revestido de aura heroicizada; o homem cara a cara com os desafios de sua
existência e da sina de existir e combater.
Hoje essa foto pode ser vista em
milhares de camisetas e posters em todo o mundo. Como já se distancia no tempo
sua epopeia guerrilheira, muitos não sabem exatamente quem foi, o que fez, como
se desenrolou o seu calvário. Mas, mesmo assim, jovens o vestem como uma figura
enigmática; vestígio de algo que não compreendem, mas, maquinalmente, cultuam;
é moda, é fashion. Rende lucro a tudo o que ele combateu.
Quanto à outra foto, a de Martin
Luther King, diga-se: ele, que foi um lutador pelos direitos civis dos negros
americanos, certamente estaria cabisbaixo e meditando a respeito do que os seus
familiares estão fazendo: como muitas fotos suas estão sendo estampadas em buttons
e camisetas pelos Estados Unidos, ao lado de fotos de Obama, seus filhos, ao
invés de verem nisso uma reverência à figura histórica do pai, reclamam: querem
direitos de herança sobre a sua imagem, literalmente direitos autorais,
querem... dinheiro, dizem os jornais.
É sempre assim: pessoas
exponenciais, revolucionárias, são transformadas em figuras icônicas de causas
que historicamente já não mais se postam e não mais ameaçam o sistema. Isso se
dá porque os objetivos de tais causas ou foram alcançadas, como é o caso dos
direitos civis dos negros, ou não mais se justificam, como é a questão de
Guevara, uma vez que a questão da luta pelos direitos dos oprimidos se faz por
outras vias que não a da luta armada.
Assim, esses vultos são anexados,
indexados aos valores da sociedade de mercado e de consumo e passam a ser
vendidas fotos ou outras representações suas, estimulando os apetites até mesmo
de quem lhes deve respeito, como é o caso dos familiares de King.
Mas é assim mesmo: o que é
transgressão hoje, passa amanhã a ser algo institucionalizado, rende lucros,
dividendos e ganância remunerada de quem sabe com isso lidar.
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