quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

As mãos do mestre


Conheci, isso há muitos anos, um titereteiro chamado Zé Relampo - não sei se ainda é vivo. Titereteiro é o artista popular que trata com títeres, ou, mais claramente,
é o brincador de joão-redondo. Pois bem,
Zé Relampo, que me foi apresentado pelo
professor e folclorista Deífilo Gurgel,
era um grande mestre na arte do teatro de bonecos.

Acompanhado por um fotógrafo, isso no já distante
ano de 1974, cheguei à casinha de Zé Relampo, num
bairro periférico de Natal, sequer me lembro aonde.
Era manhã. A matéria abordaria exatamente a
criatividade da arte dos bonecos, sua função social,
sua crítica ferina aos poderosos, a representação
emblemática de cada um dos bonecos. A matéria foi publicada no O Poti.

Por trás da empenada Zé Relampo ia levantando seus
tipos para a ação do fotógrafo, enquanto eu anotava
os aspectos mais representativos da encenação.
Fiz a matéria, redigi o texto. O tempo passou e perdi Relampo de vista.

Anos, muitos anos depois, reencontrei Zé Relampo.
Mais velho, quem sabe mais pobre, quem sabe mais artista, uma vez que o sofrimento atiça,
aguça e aumenta a sensibilidade. Estava em sérias
dificuldades financeiras, há tempos sem fazer
uma brincadeira para ganhar dinheiro.

Explica-se: ele trabalhava muito para entidades
oficiais, ligadas à cultura ou ao ensino. E há tempos
não havia um só convite. Dei um jeito de mobilizar
alguns amigos e conseguimos o dinheirinho que
ele precisava. Cerca de 15 dias depois, eis que me
aparece o mestre titereteiro. E vinha com um presente:
esculpida em madeira própria para a criação de
personagens de joão-redondo a cabeça de um negro,
bem ao estilo popular, ao mesmo tempo grosseiro e expressivo.

Foram as mãos humildes do mestre, agradecendo
pela pequena ajuda. Ainda hoje esse negro está comigo,
em meu escritório, pertinho do computador.
Mas Zé Relampo nunca mais. Sumiu, como os
relâmpagos, que desaparecem depois que a chuva passa.

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