quarta-feira, 23 de março de 2011

Dá para comprar uma pedra

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Um leve tremor no corpo, as perninhas bambas escorregam pelo chão de areia do barraco, os pés encardidos pisando a própria miséria. A fome ronca na barriga que parece um buraco, um oco no meio do corpo do menino. Bandé caminha até a janela e a luz do sol - é manhã nascente -, estala em seus olhos um brilho de dor . Somente então, com a fome estalando na barriga oca, a tremedeira nas pernas, a cabeça funcionando mal, se dá conta de que está há três dias sem comer. 


Se vira para dentro do casebre e vê, num canto daquele pequeno antro que construiu só para si, a garrafa de plástico que o tem acompanhado nos últimos dias: nela, um resto de cola de sapateiro; mais adiante, o cachimbo de crack. Arranja forças não se sabe onde e caminha até lá. Cheira a cola e isso estranhamente lá dá um ânimo brutal. As forças retornam àquele corpo mirrado, àquela cabeça tonta. 

Vai à luta. Pega um caco de vidro e invade a casa vizinha,  de uma velha paralítica estirada em uma cama. Ali, ningúem mais que ele, o corajoso da miséria, e ela, a vítima a quem os filhos deixaram sozinha para ir trabalhar. Ele mete a mão sob o travesseiro para ver se tem dinheiro. A velha resiste e tenta segurar as mãos do menino. Ele se livra e num gesto brusco atira a mão armadae fende o pescoço da mulher. O sangue esguicha e ele sai. Havia encontrado cinco reais debaixo do travesseiro. Dá para comprar uma pedra.

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