quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Na Globo, um rapazola abusado; no comercial, peitos de bundas

A coluna Outro Canal, da Folha, assinada por Keila Jinemez, diz: 
André Muzell /AgNews
O famoso vlogueiro (que faz vídeos na internet) Felipe Neto é nova aposta do esporte da Globo.
Sucesso na web, com 18 milhões de visualizações de seu canal de vídeos no YouTube, o rapaz de 23 anos vai ganhar quadros no "Esporte Espetacular" e no "Globo Esporte" de São Paulo.
Felipe, que já fez um programete no Multishow no ano passado, foi convidado por Tiago Leifert, apresentador do "Globo Esporte", que o viu na internet.
Na Globo, o vlogueiro seguirá a linha de comentários ácidos bem-humorados que o tornaram sucesso na web, só que voltados ao esporte.
......

Não estava entre os 18 milhões que haviam visto a performance do rapaz no Youtube. Mas, depois de ver a matéria da Folha passei por lá. Pelo que vi, tenho impressão de que pode não dar certo. Por um motivo simples: o digamos assim, programa que ele apresenta no YouTube, é tipicamente uma atração teen: um garoto abusado, fazendo comentários superficiais, cheio de uma certa arrogância banal e narcísica. Deve ser um sucesso entre as meninas, mas não creio que se possa dizer o mesmo quanto ao público masculino, audiência sem dúvida predominante no Globo Esporte e Esporte Espetacular. 

Outra coisa: quanto aos milhões de acessos ao vlog, a Globo deu-se ao trabalho de pesquisar qual o público? Ou melhor, qual o segmento de público que atraiu? O torcedor típico, masculino, que leva futebol a sério como se fosse coisa sagrada, estaria interessado em ver alguém, que não é jornalista, que não tem tradição em comentar futebol, brincando com o resultado de uma partida? 

Um torcedor do Flamengo, do Corinthians, só para ficar com os dois times mais queridos, aguentaria, depois de uma derrota, ouvir comentários de um rapazola achincalhando com seus ídolos, e pior, fazendo isso só pelo prazer de estar aparecendo na TV e mostrando sua carinha? Qual a conexão que um personagem assim teria com a fração de público que pretende atingir? Parece que isso não foi levado em conta.

A decisão da Globo lembra-me comercial de TV anunciando a coleção de lingerie da De Millus para 1988, onde lindíssimas mulheres só de calcinha e sutiã encenavam disputa de futebol contra homens vestidos de calça preta e camisa branca. Tecnicamente o filmete era perfeito: as modelos, divas; os enquadramentos e planos, magníficos; em câmera lenta, as imagens salientavam os dotes das moças, o suave balouçar das carnes de jovens fêmeas superando os machos que faziam faltas e eram driblados de forma sensacional. A música de fundo era aquela, a famosa, que se ouvia nos saudosos filmes do cinejornalismo do Canal 100. 

Tinha tudo para dar certo, não tinha? Tinha tudo para garantir sucesso de vendas. Mas não deu nem foi sucesso. Simplesmente por isso, segundo li em um estudo a respeito do comercial: a peça fora feita a partir de um olhar masculino, colocando as mulheres como objeto e deixando assim de atingir o público-alvo. A falha do roteirista incidiu exatamente no fato de utilizar da sensualidade feminina como algo a ser exibido à cobiça sexual dos homens, deixando de lado o olhar da consumidora, público-alvo da campanha. Aí a falha: detalhe negativo sutil de peça publicitária bem programada visualmente mas equivocada na essência da mensagem.

Tanto que o texto de encerramento do clipe diz: "Seleção De Millus 88: os homens estão perdidos". Revela-se aí a proposta que resvalou a seu propósito: as mulheres estariam vestidas, ou semidespidas, para os homens, para atrair seu olhar, para ser objeto de desejo e submissas à posse de seus corpos capturados pelo masculino. Não para seu conforto pessoal, elegância íntima, auto-estima. A campanha foi um fracasso, apesar de ter encantado o olhar másculo, dizia o estudo.

Creio que com o rapaz a Globo incide em erro idêntico: não creio que haverá empatia do rapazola com esse segmento de público masculino. Para falar de esporte lhe faltará autoridade, seriedade, tradição midiática. Como o futebol neste país foi tornado coisa séria, brincar com ele pode ser perigoso.

Veja abaixo o filmete da De Millus

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