domingo, 6 de junho de 2010

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Meu Tii Zé Guilherme e o dinheiro na mão do bruguês
Emanoel Barreto

"O dinheiro tá na mão do bruguês." O vendedor de frutas disse isso, imagine só, eu tinha uns dez anos. As palavras chamaram a minha atenção e fiquei olhando aquele homem.  Era um cabra do sertão. Magro como um cardeiro, olhos azuis - sim, no sertão há homens de olhos azuis - e rijo como galho de macambira. A pele, que já havia sido branca, agora era trigueira como couro cru; cabelos brancos, face angulosa, queixo agudo como ponta de faca santa-maria - santa-maria, a famosa peixeira de doze polegadas. Sagrada armaria que bem fazia parte da virilidade dos cabras catingueiros.

Mas ele repetiu: "O dinheiro tá na mão do bruguês.". Em seguida, olhou para os abacaxis que tinha para vender, amontoados não chão sujo da feira do Alecrim, Natal dos anos 1960. E ninguém comprava. Daí sua afirmativa, cortante como um libelo, ferina como um talho de santa-maria.

Eu não tinha o que depois seria chamado de consciência social, mas já acendia o pequeno fogo da perplexidade com as coisas da vida. E jamais esqueci aquele discurso, aquele senador da terra piando sua elegia ao destino do povo: "O dinheiro tá na mão do bruguês."

A figura lembrou-me muito meu Tii Zé Guilherme. É, é isso mesmo: "Tii Zé Guilherme", como se o "i" fosse esticado, alargado; só um pouquinho, mas alargado. Escandido, é a palavra certa.

Sobre essa pronúncia posso dizer: hoje não, mas os de minha geração, ainda influenciados quando crianças pelo falar sertanejo, visto que a maioria dos nossos país eram das terras do sol, chamavam tio de tii. Ti com o i largo.

Mas, do que falava mesmo? Sim, do dinheiro na mão do bruguês, mas acabei tomando um atalho para me meter nas terras da Fazenda Jordão, do Tii Zé Guilherme. Então, vou fazer o seguinte: deixa pra lá o brugês e sua ansiedade argentária. Esse povo se entende bem.

Encerro com a saudade de Tii Zé Guilherme, sertanejo feito de pau-ferro, casado com Vovó Lulu.  Dono da vaca Mangaba e do cavalo Soberano, senhor de terras que encantavam meu olhar, quando ficava anuviado de aventuras no paito da fazenda ou esquipando nas quebradas espinhosas do chão de tabuleiro.

Assim, ao diabo com o bruguês e o seu dinheiro. Um abraço em Tii Zé Guilherme, Vovó Lulu e aos meus sonhos de cavalgadas. Um abraço àquele velho da feira, a quem lamento responder: "O senhor tinha razão: o dinheiro ainda tá na mão do bruguês."

Quanto a mim, graças a Deus, continuo habitante dos meus sonhos.

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