"Apesar de que nasci no Norte,
sou caboco forte, quero trabaiá."
De uma antiga composição nordestina, cujo autor não recordo
Gilberto Dimenstein, na Folha de S. Paulo, deplora que o presidente Lula esteja "manipulando os nordestinos", com o objetivo de ganhar votos, distorcendo uma declaração equivocada de José Serra, candidato ao governo de São Paulo. Segundo o jornalista, Serra, ao comentar o problema da má educação no Estado, disse que isso decorre das migrações. Para Dimenstein, apenas uma frase equivocada, de um "intelectual brilhante".
Eu vejo de outra maneira, ou seja: Serra quis dizer que, pessoas que jamais deveriam ter saído de sua terra natal, tiveram a ousadia de entrar em São Paulo - já pensou?- e hoje poluem a cidade. Poluem socialmente, quero dizer. Todavia, entendo que não foi tão-somente uma frase infeliz. Acho que houve não um equívoco, mas um ato falho.
Sabe-se que o ato falho representa o real pensamento de quem o comete. É um escorrego mental, que trai o pensamento que está bem oculto ou disfarçado. Dimenstein sai em socorro de Serra e argumenta que má qualidade de ensino é fruto de uma situação complexa, não podendo ser debitada a imigrantes. É verdade.
Mas o equívoco do jornalista é o seguinte: Serra tem mesmo preconceito contra os nordestinos e isso pode ser constatado muito facilmente: não é de hoje que se diz que "São Paulo é a maior cidade nordestina", tamanha é a presença de migrantes oriundos desta região. E se a maioria dos migrantes é de nordestinos...
A questão do preconceito contra o Nordeste e seu povo é tão, posso dizer, violenta, que nos versos que transcrevi à abertura deste artigo o compositor diz que "apesar de que nasci no Norte, sou caboco forte, quero trabaiá." Ou seja: o sujeito da discriminação a expõe e até mesmo se expõe como chaga social, pecha, estigma, literalmente pede perdão pela sua origem e se coloca à disposição do patronato, implorando por um emprego, como se a sua disposição de trabalhar fosse não um direito, mas uma interferência na ordem da cidade grande.
A composição é antiga, tanto que o Nordeste é ainda chamado de "Norte". Como também é antigo, muito antigo, o preconceito nefasto que estabeleceu o Nordeste como um território de miséria, habitado por "paraíbas."
Quanto ao presidente Lula, ele mesmo um migrante, pode estar até mesmo tentanto se valer da situação. É muito comum em campanhas políticas, o uso de atos falhos dos adversários. Mas, de qualquer maneira, toca num tema de conteúdo pungente: nordestino é brasileiro; e ninguém é estrangeiro em seu próprio país.
Nota do Redator: durante o Governo Lula, o então ministro do Fome Zero, José Graziano, disse que é preciso impedir os nordestinos de migrar para São Paulo, para que os paulistas não precisem mais andar em carros blindados. Se serve de consolo, já que no Brasil está assegurado o direito de ir e bir, ficam elas por elas.
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