terça-feira, 22 de agosto de 2006

É preciso segregar esses nordestinos, senão...

"Apesar de que nasci no Norte,
sou caboco forte, quero trabaiá."
De uma antiga composição nordestina, cujo autor não recordo

Gilberto Dimenstein, na Folha de S. Paulo, deplora que o presidente Lula esteja "manipulando os nordestinos", com o objetivo de ganhar votos, distorcendo uma declaração equivocada de José Serra, candidato ao governo de São Paulo. Segundo o jornalista, Serra, ao comentar o problema da má educação no Estado, disse que isso decorre das migrações. Para Dimenstein, apenas uma frase equivocada, de um "intelectual brilhante".

Eu vejo de outra maneira, ou seja: Serra quis dizer que, pessoas que jamais deveriam ter saído de sua terra natal, tiveram a ousadia de entrar em São Paulo - já pensou?- e hoje poluem a cidade. Poluem socialmente, quero dizer. Todavia, entendo que não foi tão-somente uma frase infeliz. Acho que houve não um equívoco, mas um ato falho.

Sabe-se que o ato falho representa o real pensamento de quem o comete. É um escorrego mental, que trai o pensamento que está bem oculto ou disfarçado. Dimenstein sai em socorro de Serra e argumenta que má qualidade de ensino é fruto de uma situação complexa, não podendo ser debitada a imigrantes. É verdade.

Mas o equívoco do jornalista é o seguinte: Serra tem mesmo preconceito contra os nordestinos e isso pode ser constatado muito facilmente: não é de hoje que se diz que "São Paulo é a maior cidade nordestina", tamanha é a presença de migrantes oriundos desta região. E se a maioria dos migrantes é de nordestinos...

A questão do preconceito contra o Nordeste e seu povo é tão, posso dizer, violenta, que nos versos que transcrevi à abertura deste artigo o compositor diz que "apesar de que nasci no Norte, sou caboco forte, quero trabaiá." Ou seja: o sujeito da discriminação a expõe e até mesmo se expõe como chaga social, pecha, estigma, literalmente pede perdão pela sua origem e se coloca à disposição do patronato, implorando por um emprego, como se a sua disposição de trabalhar fosse não um direito, mas uma interferência na ordem da cidade grande.

A composição é antiga, tanto que o Nordeste é ainda chamado de "Norte". Como também é antigo, muito antigo, o preconceito nefasto que estabeleceu o Nordeste como um território de miséria, habitado por "paraíbas."

Quanto ao presidente Lula, ele mesmo um migrante, pode estar até mesmo tentanto se valer da situação. É muito comum em campanhas políticas, o uso de atos falhos dos adversários. Mas, de qualquer maneira, toca num tema de conteúdo pungente: nordestino é brasileiro; e ninguém é estrangeiro em seu próprio país.

Nota do Redator: durante o Governo Lula, o então ministro do Fome Zero, José Graziano, disse que é preciso impedir os nordestinos de migrar para São Paulo, para que os paulistas não precisem mais andar em carros blindados. Se serve de consolo, já que no Brasil está assegurado o direito de ir e bir, ficam elas por elas.

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