terça-feira, 22 de agosto de 2006

E aí, o véi começou a aboiar...

"Cabra bom,
não bebe água..."
Ditado sertanejo

Edgar Manso, zootecnista, preserva e gosta das coisas do sertão, sua gente, seu modo de vida, valores e crenças. Vez por outra me envia uns causos, narrando fatos bem sertanejos. Já acertamos para, em mais algum tempo, ele lançar um livro, pois as narrações na verdade são registros de uma cultura, um jeito de ser. Aí vai mais um causo do Edgar.

O velho Lima
A cidade de Passa e Fica localiza-se na região agreste do Estado do Rio Grande do Norte, já na divisa com o estado da Paraíba, sob a proteção da Pedra da Boca, uma formação rochosa belíssima que já se tornou uma atração turística na região. Faz menos de cinqüenta anos que Passa e Fica deixou de ser parte do município de Nova Cruz e se tornou emancipada; os moradores mais idosos contam muitas estórias desse tempo em que a “Princesa do Agreste” ainda nem existia.


Um desses moradores mais “rodados” é Seu Lima, pai dos meus amigos Carlúcio e Lau, e avô do presepeiro conhecido como Barba Azul e das belas irmãs Mônica, Vevé e Lelinha. Sua companheira de longa jornada é a dona Maria, mulher das mãos abençoadas na hora de cozinhar; a perna de boi com pirão que essa mulher faz é de“cego vê o mundo”. E a galinha torrada?... ôôôômi....

O velho Lima já está com oitenta e tantos anos mas continuava durão, forte, cabeça boa, e enxirido que só a pôrra, não podia ver uma menina passando na calçada que já ia logo dizendo:- Ô cepa, ô cepão. Há uns 30 dias , seu Lima teve algum problema que o deixou abobalhado, como se estivesse ficando esclerosado.

A notícia pegou todo mundo de surpresa, pois o velho Lima é uma pessoa muito querida na cidade. Muitos amigos foram visitá-lo mas ele nem os conhecia. Apesar de toda a tristeza é de toda gravidade da situação, o marmotento do Barba Azul, o neto do velho que mora na mesma casa do avô, nos contou uma presepada de seu Lima numa noite dessas que ninguém se agüentou de tanto rir.

O velho Lima, na sua juventude, foi um dos melhores vaqueiros da região, vaqueiro de pegar touro no mato, não é vaqueiro de pista de corrida não, era de “torar amorosa de peito nu”, como dizia ele mesmo. Pois bem, parece que a doença o fez relembrar esses tempos de labuta nas entranhas da caatinga.

Barba Azul contou que estava dormindo quando começou a escutar o seu avô aboiando por dentro de casa, isso era umas duas horas da madrugada:- Oxente? Vô tá endoidando, é? Eu num vou nem lá pra num dar corda ao véio.

E Barba Azul voltou para tentar dormir. Em vão, a zuada só fazia aumentar. Lá pras tantas, quando o “tóra rei” de grito já estava insuportável, Barba Azul escutou também a voz de dona Maria, sua vó. E pensou: - Eu vou lá ver que putaria é essa...

Quando Barba Azul entra na sala (pra seu Lima era um curral de carnaúba) ele tem uma crise de riso; dona Maria tentava pegar seu Lima pelo braço para lhe dar um calmante e ele “plantava-lhe” uma almofada na cabeça (ou seria um chicote de cipó de boi?) e dizia com raiva:- Rai prá lá raca réia, ôôôô, raca réia nojeeeeeeenta, rai, rai, rai, ôôô...

E pegue almofada no quengo de dona Maria. Mais tarde, o silêncio reinou no ambiente, Barba Azul e dona Maria foram dormir achando que seu Lima tinha adormecido no sofá (ou era um côcho de sal?). Na manhã seguinte, veio o grande final da estória, Barba Azul foi para o banheiro que fica no quintal da casa por amor de escovar os dentes quando escutou os gritos do avô:
- Naldinho, Naldinho, chega aqui meu fii. Chega aqui que eu peguei o boi!

Tava seu Lima deitado dentro de uma vala de água servida que passa no quintal da casa, agarrado com um pedaço de pau, se batendo todo e arrudiado de palhas de coqueiro pelo chão.- Naldinho meu filho, passei a noite lutando com esse frexado desse boi aqui dentro desse capim (as palhas do coqueiro), mas quando ele pulou aqui dentro de barreiro (a vala) eu lasquei ele. Tá pensando que faz o véi Lima de besta é bicho nojento?

Graças a Deus, hoje seu Lima está bem, está fazendo uso de medicamentos e se mantém calmo. Ainda bem.

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