terça-feira, 21 de julho de 2020


De coisas loucas, de monstros e dragões

Por Emanoel Barreto

Os poucos que me conhecem sabem que sou tipógrafo de profissão. Trabalho com maquinaria antiga, coisa do tempo do mestre Gutenberg. O papel também é feito por mim, seguindo os mesmos princípios, técnicas e métodos. Escrevo sobre coisas fabulosas, acontecimentos estranhos, iminências de fatos terríveis. 

São publicações que distribuo a preço baixo junto a pessoas do povo, gente que acredita em fatos extraordinários como políticos dementes que chegam a altos postos, magistrados que agem com esmo furioso semelhante a ogros, poderosos que zombam dos pobres e cansados.

Falo também de ocorrências que coisas que, dizem, virão: o fim do mundo, a destruição dos tempos, a devastação dos campos, o mar subindo e engolindo as terras, a mulheres mortas, os homens gritando imprecações blasfemas.

Mas isso, advirto, são previsões de um velho louco – eu –, e nada garante que sobrevirão para alarmar a humanidade. Digo isto pois não quero apavorar meus humildes leitores, que me leem à luz de velas e candeeiros baços, metidos no interior de seus casebres e cortiços em busca de fugir da injustiça e frio. 

Destarte, é preciso ao tipógrafo bom senso e siso, pois em tal ofício não se deve alguém deixar-se levar apenas pela inventiva e trazer aos bondosos e aos simples todo o horror que habita seu cérebro nervoso e temerário: sei, por experiência própria, que somos, os tipógrafos, seres que habitam o universo de seu próprio interior e ali descobrimos mundos vastos e pensamentos grandiosos, mas, convenhamos, inadmissíveis frente à ordem e ao bom servir dos mandatários e seus carrascos.

Vou ver se amanhã escrevo algo que valha a pena. Soube que um dragão foi visto cruzando os céus e anunciava o desterro e o medo. E o dragão estava a serviço de um louco, um demente com sonhos de grandeza. Mas, vou apurar; amanhã trarei o relato.


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