quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Lascívia política



O Congresso também faz gemer sem sentir dor

http://ateliedemascaras.blogspot.com.br/2010/07/design-exclusivo-mascaras-famosas-e-de.html
O ano político começa em Brasília como um baile de máscaras. Todos sabemos o que é o nosso Congresso: corruptos e corruptores formam a sua grande maioria: e o PC, Partido da Corrupção, é a sigla mais forte e mais poderosa. 
Um paradoxal partido suprapartidário cuja liga ideológica o mantém unido e forte pois acima de convicções ou compromissos com ideários ou projetos.
Estão unidos pelo ideário do Tio Patinhas.
Tudo começa hoje com a eleição para a presidência do Senado. Amanhã, Câmara dos deputados. Num e noutra os candidatos estão envolvidos com a Lava Jato: na Câmara Rodrigo Maia; para o Senado Eunício Oliveira.
Acredita-se que, previamente, podem considerar-se eleitos. E mesmo suspeitos, e mesmo réus futuramente, desfrutarão dos cargos e das benesses dos cargos, satisfazendo assim a  todos os seus apetites políticos e pessoais.
Vivemos, ao visto, um baile de máscaras. Baile pomposo, como se fôramos uma veneza tropical e, por coincidência, às vésperas do carnaval.
Mas as máscaras não servem para ocultar as vergonhas, uma vez que essas não existem entre deputados e senadores – senadoras também.
As máscaras, como as de Veneza, são caríssimas, suntuosas, ostentatórias e servem para isso mesmo: mostrar o quanto eles e elas se utilizam dos mandatos para ingressar ou – se já milionários ou milionárias – manter-se em seus privilégios e despudorada solércia.
Sabe-se que esse baile, a despeito da Lava Jato, vai continuar. Até mesmo porque a Lava Jato é de alguma forma também parte do baile: tem alvos preferenciais e movimentos de minueto, aquela dança onde todos sabem o passo seguinte.
E o pior é que ano próximo virão os mesmos bailarinos e bailarinas devidamente fantasiados falar em nome do povo. E todos, encabrestados pelo voto obrigatório, terão de votar nos mascarados.
Sei que poucos, pouquíssimos, não participam do baile. Mas de alguma forma o assistem. Erguem vozes mas seus gritos se perdem entre os sussurros e as alcovas do poder. O Congresso também faz gemer sem sentir dor. 

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Os mistérios pertencem aos fantasmas

Hoje encontrei-me com um amigo. Um amigo muito velho. Talvez tenha a idade de uma sequoia. Aliás, meus amigos são todos muito velhos, antigos homens-cedro que às vezes me caminham para uma conversa, algo assim. Às vezes nem falam. Pois tão velhos somos que já conhecemos todos os nossos assuntos.
Os nossos e os de outras partes, países distantes, terras onde, como acá, também se planejam horrores e se os praticam com gênio de milagre terroroso. Assim sabemos que, a rigor, hoje já não há mais novidades. Só um lento e clamoroso langor da vida que se repete a cada reedição de um desastre, no retorno de um furacão ou no morticínio idêntico ao seu predecessor.
Digo que sou velho e provo; por exemplo, fui menino, jovem e velho com Ramsés I e Ramsés II. Fui também menino com Marco Antônio e muito o aconselhei a não se meter com Cleópatra. Brinquei com Semíramis e, naquele tempo, como era arquiteto, fui o principal a ajudá-la a erguer os seus jardins suspensos, aquela maravilha que passeia os sonhos de quem com ela gosta de sonhar.
Naquele tempo era assim: um homem podia nascer, crescer e viver ao lado de pessoas que seriam da sua e da próxima geração. Mistério do qual jamais busquei abalançar-me e desvendar.
É para isso que servem os mistérios: para funcionar como um leve devaneio, uma pluma, uma suave névoa na qual entramos mas a que não desejamos, de forma nenhuma, solver; pois, no íntimo, sabemos que o mistério é uma verdade revelada mas não dita por que é ou para que é. E é aí que reside a grandeza do mistério: ser arcano; não compreendido para iluminar a perplexidade.
Mas hoje, suspeito, não há mais mistérios. Nada há de metafísico ou filosófico. Está tudo cibernético demais, racional demais, explicado demais para que haja mistérios a desafiar nossa busca.
Minto: há mistérios sim, mas somente para quem deseje ser um pouco orvalho, um pouco manhã fria, um pouco silêncio, um pouco passos silenciosos numa casa habitada apenas por um casal. Aí, o mistério ainda vive; fica escondido, guardado entre antigos, avoengos pertences a que os olhos do mundo não devem ter acesso. O mistério pertence a fantasmas muito queridos, sei disso.
Mas dizia que hoje encontrara um velho amigo. Homem acomodado – aqui no sentido espanhol do termo, quer dizer, de classe média –  já criou os filhos e respira calmamente em sua vivenda ao lado da mulher.
Uma vida calma como a sombra de um jardim por onde não passa ninguém. Aproximando-se, falou-me que agora, quando já é um homem remoto e nada mais tem a temer, pois nada tem o que perder a não ser o seu resto de vida, tomou grave decisão: construirá navio, enorme nau de muitas velas e pelo menos oitenta peças-de-fogo e se fará aos mares.
Garantiu que percorrerá o Atlântico e o Pacífico, o Índico, o Glacial Ártico e o Glacial Antártico. E descobrirá, assegurou, um novo oceano. Ele entende que o Homem ainda não descobriu todo o planeta, coisa em que com ele concordo plenamente. Revelou-me, falando baixinho como uma pequena brisa, que esse oceano será importantíssimo para quando os povos forem fugir espavoridos dos desastres climáticos que se avizinham com a destruição lenta, programada e assassina do Planeta.
Além disso, detalhou, enquanto seu navio não fica pronto em estaleiro muito bem escondido em alguma baía ou porto seguro, anunciará desordens e grandes desgraças e fará vaticínios incontestes. Disse que proclamará sedições e grandes movimentos e inaugurará uma nova religião. Qual, não sabe ainda. Mas que ela virá, virá, tranquilizou-me. 
Mais que isso, vai exortar o povo, o povo do mundo todo, a que comece a caminhar pelas ruas munido de urinóis e que esses urinóis sejam despejados diariamente em todos os Parlamentos e que os grandes senhores e senhoras desses parlamentos sejam obrigados a fazer suas abluções matinais com todo o conteúdo que lhes for destinado. E me disse que isso é algo muito bom, no que concordei plenamente. 
Asseverou que vai ruminar horrores e gritar palavras que ninguém compreenderá. E terá o poder de conjurar raios e coriscos, choques e grandes explosões oriundos das forças dos elementos.
Enquanto assim falava os olhos do meu amigo injetavam-se de algo que se assemelhava ao que conhecemos por ódio, rancor ou vingança. Perdão: acho que estou sendo injusto: indignação era o que eu via naquele olhar irado e faiscante. Indignação justa, golpe fendente de espada.
Depois, acalmou-se. E, virando-se para mim, apascentou a minha própria indignação: "Amigo, não vamos nos apressar. Afinal, tudo isso de que acabo de lhe falar é apenas mistério. Um mistério que só uns poucos, como nós loucos e velhos, podem intuir." E saiu em direção à sua casa; uma casa feita à sombra de um jardim por onde não passa ninguém. E foi trabalhar em seu navio.

  

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