segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Vitória política da Universal



Crivella em campanha no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, com o senador Romário (Facebook)
A eleição de Crivella

 O senador Marcelo Crivella (PRB) foi eleito prefeito do Rio de Janeiro com 59,37% dos votos válidos, contra 40,63% de Marcelo Freixo (PSOL). O “não voto” (abstenções, brancos e nulos) somou 46,92% do eleitorado carioca. Crivella recebeu 1,7 milhão de votos, numa eleição em que mais de 2 milhões de eleitores optaram por se abster ou apertar branco ou nulo na urna eletrônica. Ele o primeiro prefeito do partido da Igreja Universal do Reino de Deus a vencer numa capital brasileira.”

O trecho, pinçado da revista Carta Capital em sua última edição, traz um dado que não pode ser menosprezado: o expressivo percentual de não votos, revelador do quanto o eleitor médio encontra-se perigosamente desencantado com a política. 

O não voto permitiu o ascenso de candidato conservador ligado a entidade religiosa cujos ensinamentos vazam e se impregnam na política, no comportamento das pessoas, nas atitudes do cotidiano. Temo que religião e política, quando unidas no mesmo cadinho, resultem em mix de sabor social pouco desejável. 

A revista diz ainda: “No decorrer da campanha, Crivella assumiu uma postura moderada. Evitou se apresentar como representante da Universal. A estratégia foi importante para acessar o eleitorado de outras correntes religiosas, como o catolicismo, e para fugir de polêmicas.

“O prefeito eleito não conseguiu, porém, evitá-las, como a divulgação pelo jornal O Globo de trechos de seu livro ‘Evangelizando a África’, em que atacou a homossexualidade e chamou o catolicismo de ‘doutrina diabólica’. A resposta de Crivella a cada crise foi uma bem elaborada estratégia de marketing que o apresentava como um homem falho, não imune aos erros, mas que havia mudado de pensamento e defendia ‘o Rio sem preconceito’”.

Qualquer repórter com experiência e tempo de estrada na cobertura política sabe que o jornalismo declaratório aceita tudo: a fonte declara o que previamente sabe que as pessoas querem ouvir.

Ou seja: fiz algo tido como socialmente reprovável? Direi que estou arrependido; desacatei uma autoridade, como fez o senador Renan Calheiros com o juiz que determinou a captura de policiais do senado? Vou a público e rasgo elogios à autoridade ofendida; agredi verbalmente mulheres, ataquei minorias, defendi ideias preconceituosas? Que nada! Logo logo estou pedindo perdão e pronto.

Foi a tática de Crivella: o bondoso homem de Deus que errou e agora, genuflexo, se diz mortal comum e pecador, pedindo o beneplácito, o perdão; em última instância, o voto. 

O grande problema que essa eleição expressa é aquele mencionado na abertura deste texto: o desencanto do eleitor médio, a perplexidade com o que chamamos de classe política brasileira, onde aparentemente já existem criminosos demais ocupando plenários e gabinetes. Todos lucrando e se fartando. Nesse desespero o voto se encaminha ao discurso tido como mais alentador.  

Mas o pior que vi na Carta Capital foi o seguinte: “A estratégia eleitoral da igreja foi esboçada pelo bispo Edir Macedo, tio de Crivella, em livro publicado em 2008, quando defendeu um ‘projeto de nação’ para os evangélicos e a defesa do engajamento dos fiéis na conquista de espaço no terreno político nacional.” 

E mais: “O líder da universal lançou naquele ano o livro “Plano de Poder”, obra que servia ainda como capítulo ideológico à parte do estatuto do PRB, partido criado por lideranças da Universal em 2005, com o apoio do então presidente Lula e seu vice, José Alencar, primeiro presidente de honra da legenda.”

O suposto apoio de Lula à criação do PRB, apesar de suas notórias implicações político-religiosas revela o quanto o pragmatismo do PT teve resultados catastróficos, colaborando transversalmente com a eleição desse conservador. Não é assim, não pode nem deve ser assim: alianças e apoios precisam de coerência e sentido histórico. Todo gesto político tem consequências. 

A política precisa e deve ser exercida a partir de um ambiente laico. A religião tem seu espaço, é desejável em seu âmbito. Mas não deve ser levada aos plenários como pregação e conclamação. 

Agora vem Crivella à cidade maravilhosa. Suponho que deverá buscar alguma forma de equilíbrio entre religião e política, tornando aquela menos aparente, consolidando o plano de Macedo. É processo lento, de tomada de posições; até vermos um dia um membro da Universal da presidência da República. 
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Foto e legenda obtidas na página da Carta Capital.



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