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Crivella em campanha no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, com o senador Romário (Facebook) |
“O senador Marcelo Crivella (PRB) foi eleito prefeito do Rio de Janeiro com 59,37% dos votos válidos, contra 40,63% de Marcelo Freixo (PSOL). O “não voto” (abstenções, brancos e nulos) somou 46,92% do eleitorado carioca. Crivella recebeu 1,7 milhão de votos, numa eleição em que mais de 2 milhões de eleitores optaram por se abster ou apertar branco ou nulo na urna eletrônica. Ele o primeiro prefeito do partido da Igreja Universal do Reino de Deus a vencer numa capital brasileira.”
O trecho, pinçado da revista
Carta Capital em sua última edição, traz um dado que não pode ser menosprezado:
o expressivo percentual de não votos, revelador do quanto o eleitor médio encontra-se
perigosamente desencantado com a política.
O não voto permitiu o ascenso de
candidato conservador ligado a entidade religiosa cujos ensinamentos vazam e se
impregnam na política, no comportamento das pessoas, nas atitudes do
cotidiano. Temo que religião e política, quando unidas no mesmo cadinho,
resultem em mix de sabor social pouco desejável.
A revista diz ainda: “No decorrer da campanha,
Crivella assumiu uma postura moderada. Evitou se apresentar como representante
da Universal. A estratégia foi importante para acessar o eleitorado de outras
correntes religiosas, como o catolicismo, e para fugir de polêmicas.
“O prefeito eleito não conseguiu, porém,
evitá-las, como a divulgação pelo jornal O Globo de trechos de seu livro
‘Evangelizando a África’, em que atacou a homossexualidade e chamou o
catolicismo de ‘doutrina diabólica’. A resposta de Crivella a cada crise foi
uma bem elaborada estratégia de marketing que o apresentava como um homem
falho, não imune aos erros, mas que havia mudado de pensamento e defendia ‘o
Rio sem preconceito’”.
Qualquer repórter com experiência e tempo de
estrada na cobertura política sabe que o jornalismo declaratório aceita tudo: a
fonte declara o que previamente sabe que as pessoas querem ouvir.
Ou seja: fiz algo tido como socialmente reprovável?
Direi que estou arrependido; desacatei uma autoridade, como fez o senador Renan
Calheiros com o juiz que determinou a captura de policiais do senado? Vou a
público e rasgo elogios à autoridade ofendida; agredi verbalmente mulheres, ataquei
minorias, defendi ideias preconceituosas? Que nada! Logo logo estou pedindo
perdão e pronto.
Foi a tática de Crivella: o bondoso homem de Deus
que errou e agora, genuflexo, se diz mortal comum e pecador, pedindo o beneplácito,
o perdão; em última instância, o voto.
O grande problema que essa
eleição expressa é aquele mencionado na abertura deste texto: o desencanto do
eleitor médio, a perplexidade com o que chamamos de classe política brasileira,
onde aparentemente já existem criminosos demais ocupando plenários e gabinetes.
Todos lucrando e se fartando. Nesse desespero o voto se encaminha ao discurso tido
como mais alentador.
Mas o pior que vi na Carta Capital foi o seguinte:
“A estratégia eleitoral da igreja foi esboçada pelo bispo Edir Macedo, tio de Crivella, em livro publicado em 2008,
quando defendeu um ‘projeto de nação’ para os evangélicos e a defesa do
engajamento dos fiéis na conquista de espaço no terreno político nacional.”
E mais: “O líder da universal lançou naquele ano o
livro “Plano de Poder”, obra que servia ainda como capítulo ideológico à parte
do estatuto do PRB, partido criado por lideranças da Universal em 2005, com o
apoio do então presidente Lula e seu vice, José Alencar, primeiro presidente de
honra da legenda.”
O suposto apoio de Lula à criação do PRB, apesar
de suas notórias implicações político-religiosas revela o quanto o pragmatismo do
PT teve resultados catastróficos, colaborando transversalmente com a eleição
desse conservador. Não é assim, não pode nem deve ser assim: alianças e apoios
precisam de coerência e sentido histórico. Todo gesto político tem consequências.
A política precisa e deve ser exercida a partir de
um ambiente laico. A religião tem seu espaço, é desejável em seu âmbito. Mas não
deve ser levada aos plenários como pregação e conclamação.
Agora vem Crivella à cidade maravilhosa. Suponho
que deverá buscar alguma forma de equilíbrio entre religião e política, tornando
aquela menos aparente, consolidando o plano de Macedo. É processo lento, de tomada de posições; até vermos um
dia um membro da Universal da presidência da República.
...............
Foto e legenda obtidas na página da Carta Capital.
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