Temer, as crianças e o Papai Noel envergonhado
Há algo de patético, de trágico,
de triste e ridículo na foto que a Folha trouxe hoje em sua primeira página.
Perceba que apenas a primeira-dama Marcela Temer parece exibir um esgar de
sorriso; tipo aqueles em que o fotógrafo pede: “Diga xisssss!”. E ela fez
xis, com elegância e distinção.
Era para
ser uma foto bela. Alegre, solar, festiva, exultante. Afinal, foi um
momento ímpar, irrepetível, na vida daquelas crianças: já pensou, posar ao lado
do presidente da República? E ainda mais no período natalino, quando todos se
dizem ou buscam estar felizes ou quase isso?
Mas o que se vê é um homem de
sorriso tartamudo, figura que em muito lembra aquelas estátuas de cera do museu
de Madame Tussaud. Percebe-se uma cara estática, uma espécie de falsificação,
um simulacro de festejador, fraude de alegria natalina. Valeria dizer que ele
fez um pós-sorriso.
A única verdade dessa foto é que de alguma forma
expressa a essência de um governo que rege a sinfonia fanhosa de um poder que,
em Brasília, reúne ávidos comensais em jantares onde se discutem as mais
recentes incertezas de um presidente que vagueia como uma sombra pelos
noticiários, se escorre nos ácidos comentários das redes sociais e foge de
aparecer em público como Nosferatu, o vampiro, escapulia de se expor ao sol.
Creio que você lembre o clássico de Murnau.
Mas o trágico, o chocante, é a expressão das
crianças. Nenhuma está sorrindo, todas acompanham a macerada face presidencial
e seu ricto soturno; a boca fingindo um fio de júbilo enquanto a efígie
fotográfica expõe enfadonho sentimento.
O retrato nos demonstra um certo um mal-estar:
pessoas chamadas a ficar próximas quando na verdade se encontram em mundos
diferentes, na verdade opostos. Aquela sensação de elevador lotado.
As sete crianças não fixam a máquina com o fulgor
natural da idade, não gritam com o olhar, não estão radiantes, radiosas,
brincalhonas, pirralhas, à vontade.
São como que pequenos seres chamados a compor uma
cena em que um casal riquíssimo, o casal presidencial, lhes dá a oportunidade
raríssima, irrepetível, de estar em ambiente elevado e chique. E ainda têm a
falta de educação de não sorrir...
Observe bem o rosto de cada menino e de cada
menina. Não existe espontaneidade, falta solaridade às faces infantis, não há
algo importantíssimo numa foto: não há sin-ce-ri-da-de. Fica bastante claro que
aquelas crianças foram convocadas a posar, não foram convidadas, acolhidas,
compartilhando e vivendo momento especial.
Preste atenção na terceira menininha da esquerda
para a direita. Aparentemente ela está constrangida. Perceba a contração
labial, o gesto cabisbaixo, o ato de sucumbência, a forma como vive o embuste.
É como se dissesse, com a expressão facial: “O que estou fazendo aqui?”
A falsificação é sumamente amplificada pelo fato de
que os figurantes não têm referente ambiental. O fundo é branco e isso anula
humanização e retira veracidade ao flagrante, mostrando-o como aquilo que é:
apenas um simulacro. Nem mesmo flagrante é.
Não dá indícios, nada mostra que a meninada fora
recepcionada no Palácio do Planalto, ou seja: além da ausência de
espontaneidade dos atores compulsórios deixou-se de captar a circunstância
natalina nos âmbitos do Poder ficticiamente aberto a receber filhos e filhas de
famílias pobres. Nada implica bondade e ternura natalinas.
O registro fotográfico não passa a sensação –
embora tenha sido esse o objetivo – de que os pequenos troféus humanos estão dentro,
frequentando o Poder. Simplesmente não há imagem de fundo, nada mostra que
estão no interior do Palácio, muito embora a imagem tente sugerir a ideia de
que ali estão como se fossem visitantes de honra.
Mas são todos figurantes de um lugar que a rigor é
lugar nenhum. Montou-se uma farsa. Mostrou-se uma farsa. Seja na distribuição
de presentes seja na tentativa de captação imagética de momento epifânico e
generoso entre o presidente e aqueles pequenos brasileiros. Mas a farsa
desmontou-se porque simplesmente não houve epifania ou generosidade. Foi só uma
tentativa de agenda positiva.
Em verdade são um grupo de pessoas que se reuniram
– no caso das crianças foram como que postas numa ruma – para aparentar
confraternização, proximidade de classes, confraria de vidas.
Essa foi uma das fotos mais tristes e lamentáveis
que já vi em meus mais de 41 anos de jornalista. Os olhares erráticos, os
sorrisos postiços de Temer e Marcela, a hipocrisia desleal e ilusória de usar
crianças para uma pose histórica que transmutou-se numa forma de confissão de erro
midiático; essa a verdadeira essência da imagem que a Folha deu em destaque de
primeira página.
Registre-se: o Papai Noel cobriu a boca com a
barba. Dou-me a liberdade poética de supor que estava triste. Talvez
envergonhado.
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