Uma estranha realidade

Segundo me
disse, estou sob séria ameaça de ser preso devido a atividades de subversão e
atos conspiratórios. Estranhei, pois não sou dado a conluios ou conchavos de
qualquer natureza nem atento contra a lei ou contra a ordem.
Mas, para
não cansar meu ocasional leitor digo que após horas de edificante e elucidativa
conversa aquele bom homem retirou-se, não sem antes advertir-me novamente de
que poderia ser preso a qualquer momento.
Após sua saída voltei a trabalhar com meus tipos, compondo
este coranto, quando ouço poderosas, raivosas batidas à porta.
Corri a atender àquela confusão e eis que entram uns dez
escaravelhos, todos homens de má catadura e péssimos modos, que em poucos
minutos me manietaram e me puseram a ferros, levando-me em seguida a uma masmorra.
Naquele
miserável ambiente estavam recolhidos outros homens, todos acusados de sedição
e ódio, motim e outras desobediências.
Nenhum de nós entendeu nada daquelas acusações, a não ser quando a
figura alta de um magistrado nos apareceu. Era ele um macaco-prego e se dizia
de ascendência alemã, coisa muito comum a tais símios. Explicou que todos
estávamos ali - sendo aquele tempo o ano de 1795 -, sob suspeição de haver
inventado o computador e o telefone, a energia elétrica e outras cousas malsinadas
como o automóvel e a bomba atômica.
Todos os que
estavam ali recolhidos dissemos que se travava da mais pura inverdade, uma vez
que tais e perigosas maravilhas somente seriam criadas muitos anos depois,
conforme explicamos. Então, para minha surpresa, eis que chega o Sr.
Ornitorrinco.
Tão logo adentrou àquele lúgubre ambiente apresentou-se como
espião e mostrou fotografias da minha oficina, fotografias tomadas à sorrelfa,
onde eu era visto preparando uma bomba atômica. E todos os demais infelizes
também eram vistos em seu ambiente de trabalho criando engenhos danosos e
coisas terrificantes; as fotos eram a prova maior.
Sob o choque
das fotografias ficamos perplexos uma vez que aquelas imagens eram inverídicas;
sendo, claro, fruto de algum truque que desconhecíamos uma vez que sequer
sabíamos da existência da arte fotográfica, que sequer fora inventada.
Em desespero pedimos para confabular, o que nos foi permitido,
surgindo assim a nossa defesa: 1) nada daquilo existia; portanto, não
poderíamos ser autores de tais e perigosos portentos; 2) sendo assim,
deveríamos ser soltos imediatamente.
O Sr. Ornitorrinco e o
macaco-prego, homens tinhosos, rebateram. Comprovando o que diziam abriram as
portas da masmorra e nos atiraram em meio ao mundo.
E o que vimos foi o que o leitor também vê: o descalabro, a
loucura das ruas, o computador onde você lê este coranto. Atônitos, recuamos,
voltando à masmorra. E agora, o que fazer? Não criamos nada disso mas tudo o
que não criamos está aqui. Até que ponto essa irrealidade vai nos assediar?
Sem resposta, atiramo-nos masmorra adentro. Após muito correr
chegamos a uma porta. Saímos. O futuro e todo o seu horror haviam ficado para
trás.
Voltei à minha
tipografia a fim de terminar este texto. Mas, para meu desespero, eis que está à
minha porta um novo e estranho personagem: eis que um grande, gigantesco molusco se
apresenta, diz que é deputado e temo que traga algo terrível em suas palavras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário