“Eu vou é ser ladrão!”
Ele
seguiu avenida abaixo, pensativo. Era já o terceiro emprego que perdia no ano.
Apesar de esforçado, sempre pontual, na hora das demissões seu nome constava
sempre na lista. Nunca compreendera o motivo de tanta má sorte.
Havia
recebido o dinheiro pelos dias que havia trabalhado: dava coisa de uns
trezentos reais. A demissão veio quando tudo parecia estar dando certo: de
repente apareceu na obra um sujeito que conhecia um engenheiro por lá. O novato
apadrinhado acabou tomando seu emprego.
E agora,
o que dizer a Joaquina, aos cinco filhos e à sogra?
Caminhou
meio zonzo sem saber o que fazer. Estava assim: perdido; desde a manhã, quando
havia sido despedido. Sem rumo. De repente viu lá na esquina uma barraca de
churrasquinho. Também vendiam cachaça. Seguiu direto até lá.
Pediu uma
dose de cana e emborcou de um gole. Pediu duas, pediu três. A bebida desceu;
muriática, queimando todas as raivas e fazendo surgir pensamentos de ódio e
revolta.
Seguiu pela calçada ruminando horrores. Sentou-se no meio-fio e uma rajada de vento
polvilhada de areia envolveu seu corpo num abraço de lixa grossa. No meio desse
redemoinho de vento e raiva veio voando um jornal. Já velho, de uns cinco dias.
Ele pegou
o jornal e leu: bandidos haviam chacinado um policial; criminosos haviam
assaltado uma mansão e levado muitas joias; deputados envolvidos em atos de
corrupção haviam sido absolvidos; ricaços escapavam da acusação de ter fortunas
em paraísos fiscais.
Diante de
tudo isso, decidiu: "Eu vou é ser ladrão." De que adiantava trabalhar
tanto para no fim do mês ver dinheiro faltando para pagar as contas? Levantou-se
e caminhou rumo à zona sul da cidade. Afinal viu-se diante de uma mansão.
Foi fácil saltar o muro. Fácil atravessar o jardim. Fácil abrir a porta. Fácil
entrar na casa.
Subiu ao
primeiro andar. Além dele, ninguém. Aparentemente, ninguém. Mas suspeitou: se a
porta de entrada estava só no trinco haveria alguém em casa. E pensou: “ Será
que num tempo como o de hoje, com tanto ladrão por aí, uma pessoa ia deixar a
casa só no trinco?” Tomou cuidado. Será que havia ladrões na casa? Ficou com medo de ser assaltado: já pensou se lhe tomavam o que restara dos trezentos reais?
De
repente ouviu barulho de chuveiro. Foi cautelosamente até a suíte de onde vinha
o barulho e ficou olhando pela porta entreaberta. Somente o quarto estava
iluminado. O restante da casa era envolvido em penumbra. A escuridão era sua
amiga. Mesmo assim, ofegava. Fera no bote da presa. Até que a presa apareceu.
Saída do
banheiro uma mulher de trinta anos, muito bonita, caminhava resplandecente e
nua. Ele tremeu. Aí, percebeu: nem arma tinha para o assalto. A mulher caminhou
até o guarda-roupa e demorou-se, de costas para ele. Depois ela virou-se e
tornou a caminhar. Ele a seguia com o olhar. E via também a riqueza, o luxo
daquele quarto.
Olhava
tudo aquilo e comparou com a pobreza de sua casa, a figura triste de sua
Joaquina, os moveizinhos baratos, a casinha apertada e feia. A beleza da mulher
rica voltou a dominar seu olhar. Ela se perfumava. O aroma espalhou-se pelo
quarto e chegou até a ele.
Aí,
sentiu seu próprio cheiro, o odor forte vindo de si. Sentiu-se imundo e
sórdido. Olhou-se e recuou, recuou,
recuou. Caminhou pela semiobscuridade, chegou até à porta, saltou o muro e fugiu.
Quando seus pés bateram na calçada respirou fundo. Encolheu-se a um canto do
muro e chorou em silêncio. Estava quase em convulsão.
De
repente ouviu dois tiros vindos de dentro da casa. E um grito horrendo de
mulher. Logo em seguida dois jovens saltavam o muro. Ainda deu para ele ouvir
quando um deles gritava para o outro:
– Cê viu, rapá, aquele otário que tava na casa
também querendo robá? O bicho saiu na frente, num levô nada nem viu que a gente
já tava dentro da casa. Aí a gente se fez. Dei dois tecos na madame e peguemo o
colar!
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