Um sax para a lua
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Sanderson, logo que assumiu o cargo,
criou o que haveria de ser chamado de "Encontros com o povo", uma
maneira simples e eficaz de cumprir com o seu projeto: levar TM, como o
Governador era chamado nas manchetes, às comunidades humildes. Ali, Tarcísio
inspecionaria obras, falaria com os homens, com as donas de casa, com as
crianças.
Um desses primeiros encontros ocorreu
em Mãe Luíza. Foi tudo às mil maravilhas. Tarcísio, feliz, apertava a mão de um
e de outro, ouvia reclamos, tomava providências na hora. Depois os encontros
foram estendidos ao interior do estado. Então, numa bela manhã de sábado,
Tarcísio seguiu a Carnaúba dos Dantas, onde faria a inauguração de uma
estradinha que ligava o pequeno município a uma grande rodovia, algo assim.
Eu viajava num carro da assessoria
de imprensa, colocado à disposição dos jornalistas. Eu era da Tribuna do Norte;
o jornalista Dermi Azevedo representava o Diário de Natal. O carro do
governador seguia a exatíssimos 80 quilômetros por hora, velocidade máxima
então permitida nas estradas. Antônio Melo, assessor de imprensa, comentou
conosco: “Vejam bem, o Governador não permite que se corra mais que isso.”
Chegamos afinal à cidade, que, à
época, sequer dispunha de hotel. O prefeito cedeu sua casa ao Governador e
comitiva. À noite, missa. E então assistimos a um magnífico espetáculo na
igreja do lugar: um coro de vozes femininas entoava músicas sacras, compostas e
regidas por ninguém menos que o maestro Felinto Lúcio.
Eu não havia notado o coral, até ser
envolvido por aquele som, ao mesmo tempo arrebatador e singelo, supremo e
cândido. Felinto regia como que tomado pelas mãos de Deus. A música fluía de si
e refulgia na igrejinha iluminada. Uma vigorosa alegria da fé se espalhava pela
noite do sertão.Terminada a missa uma quermesse aguardava o Governador, centro
de todas as atenções. Tarcísio, frugal, retirou-se cedo da festa e foi para a
casa do prefeito; aquela, que servia de hotel.
Acompanhamos o Governador. E
ficamos, eu e Dermi conversando na sala principal da casa. De repente, em meio
a um luar desse tamanho, ouvimos música: era um sax, acompanhado pelo suave
rufar de um tarol. Eram dois músicos de uma banda vinda de uma cidade paraibana
para uma retreta em Carnaúba dos Dantas, também homenagem ao governador.
Caminhavam pela praça em frente à casa. Eu e Dermi paramos a conversa para
ouvir em silêncio aquela secreta grandiosidade.
Fardados, o saxofonista e o homem do
tarol caminhavam à luz fria da lua. Um vento tímido palmilhava a rua em
respeitoso movimento de brisa. À frente o instrumento tocava uma música calma.
Tão suave e tão tenra como o orvalho que começava a chegar às flores da praça.
Fiquei parado, ou melhor: paralisado, olhos cravados na cena.
Tocavam Royal Cinema, composta por
Tonheca Dantas, irmão do maestro Felinto Lúcio, de quem, diz-se, teria
composições tocadas até mesmo na Capela Sistina, Vaticano. Na verdade os dois
músicos tocavam o sentimento da humanidade, ante a presença profunda do luar
tão branco. E foram passando, passando, passando, deixando atrás de si a música
e logo após ela o silêncio da cidade que dormia ninada pelos dons dos que estão
em paz.
Carnaúba dos Dantas. Quando um dia
eu voltar quero encontrar de novo aquela música. Sei que ela está me
esperando; oculta em alguma esquina, quem sabe escondida em alguma longa dobra
do tempo, tocando em surdina para o sertão ouvir.
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