quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Jornalismo de excelência ou jornal não é guardião da honra de ninguém

O caso dos precatórios no Tribunal de Justiça, exposto a plena carga pela imprensa, reconfirma o papel do jornal como instituição essencial à democracia e à transparência do funcionamento dos Poderes. Até onde me informa o bom senso, tem sido de importância capital a presença dos jornais para que o assunto, ganhando espaço e força nas manchetes, ênfase e saliência na opinião pública, venha a ser apurado às últimas consequências.

O que a imprensa tem noticiado revela como a máquina burocrática do Tribunal de Justiça tinha falhas que permitiam a prática do desvio de dinheiro público. Por essas brechas, segundo se diz, atuavam os acusados. Os jornais mostram isso com notável precisão: os arranjos, o processo de fraude, a manipulação de documentos que, aparentemente cumprindo os trâmites exigidos, sugeriam legalidade ao gesto peculatário. 

Lembro palavras de Luís Maria Alves, o velho comandante do Diário de Natal: "Jornal não é guardião da honra de ninguém." Queria com isso dizer que o jornalismo se atém aos fatos e simplesmente os reproduz à luz do que constatou e apurou; sendo assim, cada um que zelasse pela sua reputação, pois aos jornais caberia denunciá-lo em caso de abuso qualquer que fosse. 

Claro, tal consigna está alicerçada na visão de objetividade, com todos os questionamentos que a envolvem, uma vez que um mesmo fato pode ser apresentado de variadas formas. Questão acadêmica à parte, o caso do TJ está sendo apresentado de forma objetiva. Não há como recusar que algo aconteceu, e isso obriga a Justiça e se fazer dentro da própria Justiça.

Os jornais estão cumprindo com rigor e isenção o dever de informar. Apuração é feita e pode ser percebida fartamente na forma como o noticiário é apresentado: matérias longas,detalhadas, divididas em retrancas - retrancas são matérias complementares - explicando como tudo se passou.

É importantíssima a ação dos jornais em casos como esse, quando já existe neste país uma sociedade civil atenta e indignada. Jornalismo é uma parte desse processo a que se chama sociedade civil, esse espaço social, público, onde se confrontam ideias e se propugna pela moralidade, combatendo-se, por isso mesmo, ideias e comportamentos em campo contrário. 

Silenciar, em tais circunstâncias, significa ser caviloso e alcoviteiro da indecência; cometer por omissão apoio ao esgarçamento da rede ética que deve servir de liame à vida na polis. Frente e isso, o jornal é a praça social para onde converge o olhar da cidadania, imerso o próprio jornal no mundo que noticia. Age, assim, em processo de representação do teatro do mundo ao mesmo tempo em que participa da tragédia histórica desse mesmo mundo. A notícia como meta-acontecimento. 

Pode-se compreender o que digo com um exemplo simples: é do senso comum dizer "deu no jornal". Ou seja: está nas ruas, é parte do rumor social. Com isso o jornal se torna uma espécie de entidade, um sujeito que, em sua virtualidade de sujeito, está para o cidadão como se fora outro cidadão. O noticiado passa a ser uma nova notícia, pulsante como o antigo grito dos gazeteiros: "Olha o jornal!"

Chamo a isso, a esse capacidade de noticiar e representar o mundo, de eficácia editorial, ou seja: potencialidade de influir junto à sociedade, fazer valer sua informação e sua opinião. Assim, se tal opinião e informação estão em sintonia fina com o que deseja a sociedade, cujos valores éticos e morais devem ter acolhida nas folhas, encontramos aí a repercussão, encontramos assim a eficácia editorial manifesta na perplexidade e, desta, na indignação das ruas.

Os valores pétreos da sociedade preexistem ao noticiário, são seus referentes. Quando atacados merecem o petardo das manchetes. A imprensa tem o dever da verdade. Não vou entrar aqui no debate do que seja esse conceito, filosoficamente. Quero dizer verdade na acepção de relato que coincide com o objeto que foi relatado, suas características, causas e consequências. E sou levado a supor, pelo que li, que as coisas estão sendo contadas conforme ocorreram.

Os jornais estão corretos em seu trabalho. É preciso levar adiante a luta. As pessoas acusadas, se confirmada a sua culpa, seriam responsáveis por crime de grande perversidade. De alguma forma o dinheiro desviado para uso suntuário faltará numa escolinha de bairro, na segurança pública, numa casa de parto, num grande hospital público, na conservação de estradas e outros bens públicos. De forma também perversa, tal prática enuncia a cultura da corrupção como naturalizada na máquina pública, quase uma praxe. Desta forma, será preciso ir a fundo nesse abismo. Sem medo de se ferir.

*  Minhas congratulações a Anderson Barbosa, do Novo Jornal, Isaac Lira, Marco Carvalho e Ricardo Araújo, da Tribuna do Norte, e Allan Darlyson e Paulo de Sousa, do Diário de Natal.



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