quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Alcoolismo, Justa Causa e o Capital

--- Walter Medeiros

Os direitos sociais sempre nascem e se consolidam depois de penosos processos de experiência e amadurecimento, que findam custando muito mais aos trabalhadores, sejam quais forem as diretrizes governamentais. É o que se pode dizer de recente decisão que deixou de retirar da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT item ultrapassado e injusto que prevê a demissão por justa causa para o trabalhador alcoólatra.

Trata-se de um momento que sintetiza vivências de décadas de discussões esporádicas, esparsas e desorganizadas, tanto na sociedade como no Poder Judiciário, no Governo e no Parlamento, terminando numa decisão simplista do mundo capitalista: a lei não passa, porque prejudicaria as empresas.
Nada do que pode ser considerado realmente relevante no caso foi levado em conta: a função social da empresa; os avanços nas ciências da saúde, que já tem bem mais certezas sobre a doença alcoolismo; e a cegueira gritante e lamentável do empresariado, que não consegue nem mesmo enxergar que a despedida por justa causa de alcoólatras sempre será prejudicial às empresas, ao contrário do que concluíram os deputados que trataram da questão de forma bem apressada.

Vejamos a Ementa do Projeto-de-Lei:
“Altera o art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o art. 132 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, para disciplinar a demissão do alcoolista e estabelecer-lhe garantia provisória de emprego.”
E a Explicação da Ementa:
“A rescisão do contrato de trabalho do empregado ou demissão do servidor, somente será permitida caso haja recusa a se submeter a tratamento.”
O resultado:
Rejeitada.

É importante observar alguns aspectos dessa questão.
O alcoolismo como doença foi objeto de muitas discussões, demissões, alegações e decisões durante os últimos vinte anos, pelo menos, num mar de opiniões que surgiam de acordo com as descobertas e anúncios de novas pesquisas, interpretações e conclusões científicas. Paralelamente, os trabalhadores eram vítimas ou beneficiários da questão conforme a crise econômica ou o humor dos administradores, que decidiam demitir e o Judiciário mandava readmitir; implantavam programas de assistência, aí o Judiciário mudava de rumo e admitia a demissão.

A proposta de alteração na lei foi elaborada de forma inteligente, pois não passava a mão na cabeça de qualquer bebedor contumaz. Estava bem claro que para evitar a demissão por justa causa o empregado precisava admitir seu problema com o álcool e partir para um tratamento. Era o preço da preservação do emprego, e aí as empresas beneficiar-se-iam principalmente com a recuperação de empregados preparados e nos quais haviam investido em experiência, formação e treinamento.

Lamentavelmente a relatora na comissão que apreciou a matéria de forma terminativa, deputada Andreia Zito (PSDB-RJ), ao recomendar a rejeição por considerar que a medida prejudicaria as empresas, negou uma função social importante que a empresa tem, tomando partido tão somente do capital explorador da mão de obra. Não tem sentido, nos dias atuais, a alegação mesquinha de que as responsabilidades seriam só dos próprios empregados, das famílias e, em última instância, do Estado, não devendo, segundo ela, recair sobre os empreendimentos privados. 

Esta questão, com certeza, não deixará se ser motivo de discussão e de novos projetos, pois existem parlamentares mais sintonizados com a realidade em que vivemos. Tanto é assim, que a mesma proposta foi aprovada pelo Senado Federal e esperava-se que o mesmo ocorresse na Câmara dos Deputados. Da mesma forma, resta, nesse triste hiato de desproteção dos trabalhadores vitimados pelo alcoolismo, a sabedoria e o poder de fazer justiça que se encontra no Judiciário, capaz de interpretar o Direito além do simples interesse daqueles que só conseguem enxergar em cada empreendimento o fluxo do caixa.

*Jornalista e Bacharel em Direito

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