quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Fonte: http://resistir.info/franca/imagens/siqueiros_democracia.jpg (detalhe de obra do muralista mexicano Siqueiros)
A democracia é frágil e treme de medo
Emanoel Barreto

O incidente envolvendo setores do governo federal que querem esclarecer e punir torturadores do regime militar, o ministro da Defesa, Nelson jobim e generais, revela o quando é frágil a democracia neste país. O texto abaixo é bastante elucidativo. O material é reproduzido da Folha de S. Paulo.


Contra "Comissão da Verdade", comandantes ameaçam sair

ELIANE CANTANHÊDE
colunista da Folha de S.Paulo

SIMONE IGLESIAS
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Os comandantes do Exército, general Enzo Martins Peri, e da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, ameaçaram pedir demissão caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não revogue alguns trechos do Plano Nacional de Direitos Humanos 3, que cria a "Comissão da Verdade" para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar (1964-1985).

Em reunião com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, no dia 23, às vésperas do Natal, os dois classificaram o documento como "excessivamente insultuoso, agressivo e revanchista" às Forças Armadas e disseram que os seus comandados se sentiram diretamente ofendidos. O comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto, não estava em Brasília.

Na versão militar, Jobim teria se solidarizado com os comandantes e dito que pediria demissão se não houvesse um recuo do governo. À Folha Jobim negou.

Na reunião, Jobim disse que não tinha sido consultado sobre os termos do plano, que não concordava com tentativas de revanchismo e iria falar com Lula a respeito. Com isso, acabou colocando o presidente entre dois polos de pressão: militares, de um lado, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, do outro.

Lula embarca hoje para a folga de fim de ano na Bahia procurando uma solução de contemporização. Os militares se contentariam com mudanças no texto, mas Vannuchi está irredutível e também ameaça sair caso haja recuo.

Até ontem, a opção de Lula para minimizar a crise era uma saída de meio-termo: não mexer no texto, mas orientar as comissões técnicas encarregadas de executá-lo a ignorar na prática os pontos mais críticos.

À Folha um alto funcionário civil disse que a "tensão está fortíssima". Esse clima ficou evidente na cerimônia que Lula presidiu anteontem, no CCBB, para sancionar a nova lei de cargos e salários dos taifeiros da Aeronáutica, na presença de Saito, que conversou à parte com o presidente.

Convidado por Lula, Jobim disse que não poderia comparecer à cerimônia porque estaria fora de Brasília. Quem apareceu, para um evento da Funai, foi Tarso. Também conversou reservadamente com Lula.

Vannuchi está no olho do furacão: ele tinha despacho com o presidente às 18h do mesmo dia, mas o encontro foi adiado para ontem e, no final, acabou não acontecendo, o que aumentou a suspeita de que tenha posto o cargo à disposição.

Lula conversou com Vannuchi por telefone e lhe falou sobre a "fórmula de conciliação", mas o desfecho ficará para a volta de Lula, em 11 de janeiro.

O foco da crise é o sexto capítulo do Plano de Direitos Humanos, anunciado por Lula no dia 21 e publicado no "Diário Oficial da União", no dia seguinte, com 180 páginas.

O capítulo se chama "Eixo orientador 6: direito à memória e à verdade". Duas propostas deixaram a área militar particularmente irritada: identificar e tornar públicas as "estruturas" utilizadas para violações de direitos humanos durante a ditadura e criar uma legislação nacional proibindo que ruas, praças, monumentos e estádios tenham nomes de pessoas que praticaram crimes na ditadura.

Na leitura dos militares, isso significa que o governo do PT, formado por muitos personagens que atuaram "do outro lado" no regime militar, está querendo jogar a opinião pública contra as Forças Armadas.

Imaginam que o resultado dessas propostas seja a depredação ou até a invasão de instalações militares que supostamente tenham abrigado atos de tortura e não admitem o constrangimento da retirada de nomes de altos oficiais de avenidas pelo país afora.



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