terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Vivendo à luz de velas

O texto abaixo é transcrito do Jornal da Tarde on line. Sem comentários.

MARICI CAPITELLI,
marici.capitelli@grupoestado.com.br

A sensação é angustiante. O apartamento de 40 m² escuro e abafado com 18 crianças, entre 2 e 12 anos, vivendo amontoadas com a avó. Quando o dinheiro dá, a família, que está com a energia cortada por falta de pagamento há dois anos e meio, ainda compra algumas velas.


Só que, quando elas são acesas, os vizinhos entram em pânico com medo de incêndio. O apartamento fica no quinto e último andar do Conjunto Habitacional CDHU E, em Carapicuíba, Grande São Paulo. Ao todo são 320 famílias. Além disso, quando a avó não tem gás para cozinhar, o que é comum, ela costuma usar álcool que compra no posto de gasolina a R$ 0,80 o litro.

Dessa maneira, pode fazer comida em uma latinha em chamas no chão do apartamento. “O risco de incêndio que preocupa todo mundo é muito real. Se pegar fogo vai ser uma tragédia porque algumas das crianças são pequenas e ficam todas amontoadas”, denuncia Fáttima Fant, da Associação Um Toque de Mulher que trabalha com famílias carentes em situação de risco e recebeu pedido de ajuda dos vizinhos para tentar resolver o drama da família que vive na escuridão.

Os problemas do dia-a-dia são tantos que o medo de um possível incêndio é o que menos preocupa a responsável pelas crianças, Vera Lúcia de Moura, de 57 anos, a avó. Em abril, vai fazer três anos que a família está sem luz.O valor da conta é de R$ 320. Com vela ou sem vela, a vida da família que vive na escuridão é um inferno.

Não tem água quente para banho mesmo nos dias mais frios. Uma das crianças já teve pneumonia. Também não é possível usar a geladeira. Outra missão impossível para a garotada é fazer lição de casa quando escurece. Loucas por televisão, as crianças mais velhas ficam nos corredores do prédio tentando assistir o aparelho dos vizinhos pelas frestas das janelas. “Encosto bem no vidro e posso escutar o que estão falando na televisão. Adoro desenhos”, contou Lucas, 11 anos.

Sem comida, a ordem na casa é ou almoçar ou jantar. E mesmo assim, sem qualquer tipo de mistura. Também são raros os dias em que as crianças podem se dar ao luxo de comer um pãozinho inteiro cada uma com um pouco de maionese comprada na loja de R$ 1.“Não dá para ter as duas refeições de jeito nenhum. Muitas vezes, só faço milharina ou chá para que possam encher a barriga e parem de chorar de fome”, explicou a avó, que tem graves problemas de saúde, mas que fica até dois dias sem comida para alimentar os netos.

O mesmo acontece com o gato das crianças, que também passa dias sem comida.Mas a garotada não quer abrir mão do animal, que está desnutrido. “Quando eles ganham uma moeda na feira vão correndo comprar gramas de ração para o gatinho”, disse Vera Lúcia emocionada. Sem nenhuma renda, a família vive com a doação dos vizinhos, que também não é muita, já que a comunidade é pobre. Sobram para os vizinhos, além do medo do incêndio, o choro de fome das crianças.

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