domingo, 17 de setembro de 2006

As Amélias pós-modernas

"A religião prestou ao amor um
grande serviço, fazendo dele um pecado."
Anatole France

Abaixo, um texto da Minha Mulher,
inédito e belo como um calice de pétalas.

Desde o lançamento da música “Ai, que saudades da Amélia”, de Ataulfo Alves e Mário Lago, pelos idos de 1942, a figura Amélia passou a representar, para a maioria dos brasileiros, mulher subserviente. O nome passou a ser verbete de dicionário, sendo citado no Houaiss e Aurélio, como sinônimo de "mulher amorosa, passiva e serviçal".

Você faz parte dessa maioria? Grande engano. Amélia existiu sim e foi descoberta pela revista "O Cruzeiro". Era uma lavadeira da família da grande intérprete da música brasileira Aracy de Almeida. Amélia era uma mulher do subúrbio do Rio de Janeiro, que sustentava sozinha nove filhos; talvez por isso não tinha tempo para vaidades.

Bom. Agora já sabemos que Amélia existiu e foi uma mulher de luta. Passemos agora a analisar a letra. De onde foi que tiraram todo esse preconceito contra a pobre Amélia?

A música, na verdade, só faz uma reclamação a uma mulher que não sabe ser companheira, que só faz exigências a um “pobre rapaz”, só pensava em ser vaidosa, ou seja, não somava, só subtraia. A vaidade, na letra, foi um detalhe observado em Amélia, a lavadeira. Afinal, como poderia ter vaidade aquela mulher?

Quando a música surgiu, em 1942, a mulher era uma figura voltada para as atividades do lar, vaidade, naquela época era só para as mulheres de classe mais abastada.
Os tempos passaram, as mulheres mudaram. Uma resolveu arrancar o sutiã e gritar independência. Os homens assustaram, deixaram de proteger porque muitas não queriam e ainda não querem ser protegidas. As mulheres foram à luta e se dividiram em dois times: as feministas e as Amélias pós-modernas. Não vamos entrar na questão do feminismo, acho isso muito machista.


Mas, que negócio é este de Amélia pós-moderna?

É aquela figura, que mesmo com toda a transformação social, que têm emprego, com dupla, tripla jornada ou não, não abriu mão da dedicação ao marido ou companheiro, não perdeu a ternura, o afeto.

Temos ainda aquelas que preferiram não ir para o mercado de trabalho, mas dedicar às coisas do lar, ir ao supermercado, cuidar dos filhos, receber o marido ao anoitecer, partilhar, somar e multiplicar. Dedicar não é subserviência, é afeição.

Não importa se a Amélia é aviadora, professora, frentista, diarista, taxista, se ela é do lar, ou se preferiu secretariar. O que importa é ser Amélia e, ser Amélia não é estar na frente ou atrás, mas ao lado, e não perder a feminilidade, doçura e a ternura.

Estou longe de ser perfeita, mas metade mim é Amélia, a outra também.
Terezinha Barreto

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