sábado, 16 de setembro de 2006

Na Ribeira, um defensor perpétuo da monarquia

No velho bairro da Ribeira, Natal tem um dos seus pontos onde a Segunda Grande Guerra de alguma forma se fez sentir. Muitos aventureiros abriram bares, o Wonder Bar foi palco e platéia de enormes brigas entre brasileiros e soldados americanos, todos devidamente bêbados e irados, aquela ira dos desordeiros, que passa quando a ressaca vai embora.

Ali, onde os cabarés eram portas abertas para o prazer comprado, todas as prostitutas foram literalmente verificadas pelos médicos americanos, para que não tansmitissem a seus homens qualquer malefício advindo das práticas do amor venéreo.

Todas foram cadastradas e fichadas: Natal, de alguma maneira, estava ocupada pelas tropas.

Já me contaram que os americanos, aproveitando-se de seu porte físico, costumavam provocar brasileiros, que estavam em evidente desvantagem.

Somente esqueciam que o desafio se voltava contra uma gente que tinha origem rural, nordestinos que ainda guardavam com zelo e honra de cavaleiro andante uma boa faca peixeira, cruzada nas costas e segura pelo cinto.

E assim, quando se viam na contigência de uma surra desonrosa, desembainhavam a lâmina, que fazia surgir no rosto do estrangeiro uma espécie de pavor e logo um grito: "No knife! No knife!", seguido de desabalada carreira.

Estou falando por ouvir contar. Na verdade, quero mesmo é falar de Manoel, um barbeiro que ainda hoje trabalha na velha Ribeira. Aos sábados, sempre por lá encontro um grupo de senhores que viveram a Segunda Guerra e me passam os comentários que reproduzi.

Manoel é uma grande figura. Em seu jeito simples, gestos cordiais, conversas amenas, é um defensor perpétuo da moralidade e dos bons costumes, especialmente no que diz respeito à chamada coisa pública.

Está tão descrente das coisas deste país, que se diz monarquista, ostenta o adesivo de uma coroa em um móvel da barbearia e sustenta, com singeleza dos ingênuos e dos dignos, que, se a coisa não deu certo depois da queda da Coroa, tudo deveria voltar a ser como dantes: só um rei, sustenta, tirará o Brasil da masmorra construída pela bandalheira e pelos corruptos.

Hoje é sábado; não vou poder passar no salão de barbeiro de Manoel, o Salão Potengi, homenagem ao rio amado e poluído que ladeia Natal e se atira em abraço ao Atlântico.

Mas certamente lá estarão aqueles senhores de sempre, falando contra o governo, os roubos, os escândalos. E lembrando as velhas figuras da cidade, uma cidade que era bela e menina e hoje, mulher feita, teme que suas ruas venham a se transformar em labirintos do medo e ninhos de angústias, essas coisas do PCC...

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