sexta-feira, 2 de junho de 2006

"Eu vou é ser ladrão."*

Eu sou filho de uma mulher que nasceu analfabeta."
(Presidente Lula, no Dia Internacional da Mulher)

Ele seguiu avenida abaixo, pensativo. Era já o terceiro emprego que perdia no ano. Apesar de esforçado, chegar sempre no horário, na hora das demissões seu nome constava sempre na lista. Nunca compreendera o motivo de tanta má sorte. Olhou o mundo com um olhar pardo, perdido no meio da confusão do trânsito.

Havia recebido o dinheiro pelos dias que havia trabalhado: dava coisa de uns cem reais. Tudo parecia estar dando certo, mas de repente apareceu na empreiteira um sujeito que conhecia um engenheiro por lá e indicou um novo pedreiro. Pronto. Foi o suficiente para, dia seguinte, ele estar desempregado. E agora, o que dizer a Joaquina, aos cinco filhos e à sogra, lá em Felipe Camarão, zona Norte de Natal?

Caminhou meio zonzo, sem saber o que fazer. Estava assim, perdido, desde a manhã, quando havia sido despedido: sem rumo. De repente viu, lá na esquina, uma barraca de churrasquinho. Também vendiam cachaça. Seguiu direto até lá. Pediu uma dose e emborcou de um gole. Pediu duas, pediu três. A bebida desceu muriática, queimando todas as raivas e fazendo surgir novos pensamentos de ódio e revolta.

Caminhou pela calçada ruminando horrores. Sentou-se no meio-fio e uma rajada de vento polvilhada de areia envolveu seu corpo num abraço de lixa grossa. No meio desse redemoinho de vento e raiva veio voando um jornal. Já velho, de uns cinco dias.

Ele pegou o jornal e leu: bandidos haviam chacinado um policial; bandidos haviam assaltado uma mansão e levado muitas jóias; deputados envolvidos em atos de corrupção haviam sido absolvidos; ricaços escapavam da acusação de ter fortunas em paraísos fiscais.

Diante de tudo isso, decidiu: "Vou ser ladrão." De que adiantava trabalhar tanto, para, no fim do mês, ver o dinheiro faltando para pagar as contas? Levantou-se e caminhou no rumo da zona Sul da cidade. Afinal viu-se diante de uma mansão. Foi fácil saltar o muro. Atravessou o jardim. Foi fácil abrir a porta. Foi fácil entrar na casa.

Subiu ao primeiro andar. Além dele, ninguém. Aparentemente, ninguém. Mas suspeitou: se a porta estava só no trinco, haveria alguém em casa. Será que num tempo como o de hoje, com tanto ladrão por aí, uma pessoa ia deixar a casa só no trinco? Tomou cuidado.

De repente, ouviu um barulho de chuveiro. Foi cautelosamente até a suíte de onde vinha o barulho e ficou olhando, pela porta entreaberta. Somente o quarto estava iluminado. O restante da casa era envolvido em penumbra. A escuridão era sua amiga. Mesmo assim, ofegava. Fera no bote da presa. Até que esta apareceu.

Saída do banheiro uma mulher de trinta anos, muito bonita, caminhava resplandescente e nua. Ele tremeu. Aí percebeu: nem arma tinha para o assalto. A mulher caminhou até o guarda-roupa e demorou-se, de costas para ele. Voltou-se e tornou a caminhar. Ele a seguia com o olhar. E via também a riqueza, o luxo daquele quarto.

Olhava tudo aquilo e comparou com a pobreza de sua casa, a figura triste de sua Joaquina, os moveizinhos baratos, a casinha apertada e feia. A beleza da mulher rica voltou a dominar seu olhar. Ela se perfumava. O aroma espalhou-se pelo quarto e chegou até ele.

Aí, sentiu seu próprio cheiro, olhou-se e recuou, recuou, recuou. Caminhou pela semi-obscuridade, chegou até à porta, saltou o muro e escapou. Quando seus pés bateram na calçada, respirou fundo. Encolheu-se a um canto do muro e chorou em silêncio.

De repente, ouviu dois tiros vindos de dentro da casa. E um grito horrendo de mulher. E logo em seguida dois jovens saltavam o muro. E ainda deu para ele ouvir quando um deles gritava para o outro: - Cê viu, rapá, aquele otário saiu na frente, nem viu que a gente já tava dentro da casa, e a gente se fez. Dei dois tecos na madame e pegamos o colar!
* Este texto é ficcional.

Nenhum comentário: