sexta-feira, 7 de abril de 2006

As falsas feias

Se o povo não tem pão
que coma brioches.”
(Rainha Maria Antonieta)

Há algum tempo, leia-se há muitos anos, eu costumava, em parceria com o jornalista Vicente Serejo, redigir notas para uma coluna que, no Diário de Natal, fazia o maior sucesso: chamava-se “Bastidores”.

A coluna surgira sem qualquer planejamento, um verdadeiro calhau, para encher um canto da página 3, onde ainda hoje está o noticiário político. Bastidores, entretanto, não tratava só de política. Seu pequenino espaço, uma coluna, de cima abaixo, permitia-nos vôos bem distantes do puro (ou melhor, impuro) jogo do poder político.

Ali, em poucas linhas, traçávamos vários tipos de assuntos, até que um dia inventei de falar numas tais de, imagine só, “falsas feias”. Ficamos, eu e Serejo, sustentando uma seqüência de notas a respeito do tema, dizendo coisas mais ou menos como “a falsa feia é a mulher que, na verdade, traz uma beleza embutida no rosto e somente em determinados momentos se permite-nos a sua visão.”

Agora, passado já um bom tempo, e tocando nesse assunto novamente, concordo: as falsas feias não são feias em si: a visão dos outros é que não lhes encontra a beleza oculta e densa. A falsa feia é diferente da falsa bela, a mulher que precisa se produzir demais, para atrair olhares e, mais que isso, admiração e, melhor ainda, inveja das demais.

A falsa feia tem a discrição dos tímidos, pois sente-se diferente e, como tal, discriminada; torna-se suave não por maneirismo, mas por saber que, quem a descobrir, terá chegado a uma praia imensa, somente a poucos dada.

Querendo, pode ser irônica, afrontando a beleza inútil e produzida das que se acham as maiorais.A falsa feia é a Bela que não precisa adormecer para ser beijada. Ela é dona dos seus próprios sonhos.

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