quinta-feira, 6 de abril de 2006

Quando o crime vira lei

"A roubalheira política ganhou jurisprudência."
(Alex Medeiros, jornalista)

A frase de Alex, muito além de ser um achado, é uma inusitada espécie de resumo, um vade mecum dos corruptos, uma deixa fácil para culpados recuarem em direção aos bastidores, perdendo-se depois nos escaninhos do esquecimento.

A Câmara dos deputados, ontem, viveu momentos tristes. O deputado Pinotti chegou a dizer que a Casa não deveria "julgar irmãos", deixando a apuração de culpas de parlamentares ao Poder Judiciário.

O deputado João Paulo Cunha citou o escritor uruguaio Eduardo Galeano, que em um de seus contos fala de uma velhinha cega que admitia ser culpada de um crime que absolutamente havia cometido. Mas confessara, tal a pressão policial, para assim agir. Na mesma história, o escritor dizia que o suposto crime tinha sido publicado pela imprensa, o que seria suficiente para formar a acusação e configurar a culpa.

E a imprensa, na ficção de Galeano, mentia. O deputado, então, colocou-se em situação igual à da personagem, colocando-se como vítima. Logo ele, que admitira de público que havia recebido dinheiro do mensalão. Mas agora, não. Não houve, nada; nada, a não ser uma espécie de alucinação coletiva, cujo resultado seria a culpabilidade de um inocente parlamentar.

O final da ação corporativa dos deputados foi elucidativo para quem acompanhou pela TV o processo de votação e apuração. Anunciada a absolvição de João Paulo, ouviu-se um grande silêncio, manifestação imaterial da vergonha plural, o bisonho epílogo da honradez.

Alex foi feliz em sua frase lapidar. Infeliz é o povo que tem deputados assim. Escudado pela jurisprudência da roubalheira, o deputado João Paulo fugiu da imprensa num passinho apressado, correndo a se esconder em seu gabinete, tão logo encerrou-se a sessão.

Rui Barbosa tinha razão: é chegado o tempo em que os homens têm vergonha de ser honestos. Oremos ao Senhor.

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