domingo, 2 de abril de 2006

Os meninos estão bem*

“Liberdade, Liberdade,
abre as asas sobre nós.”
(Do Hino da República)
Dona Maria Eutínia morava no Tirol, idos dos anos 50. Gravemente religiosa, mantinha a família, inclusive o marido, sob estritos cânones de orações diárias, respeito aos ditames da Igreja e austeridade em todos os seus atos.

Acreditava piamente que dinheiro muito era coisa do Diabo e assim a família não precisava buscar amealhar dinheiro:“Dinheiro é coisa do Cão. Não junte dinheiro. Dê aos pobres o que sobrar do salário”, cobrava de seus cinco filhos e de Juvenal, o marido, dono de uma mercearia.

Com o passar dos anos, Dona Maria Eutínia foi ficando mais e mais arredia com as coisas do mundo e voltando-se para o mundo da religião. Missa todo dia bem cedinho, orações enquanto fazia o almoço. E, enquanto preparava as refeições, ouvia no rádio notícias de que os preços estavam subindo, subindo.

“É a carestia, é o Cão se preparando para tomar conta de tudo”, pensava, com angústia. Quando os filhos saíam para o colégio, ficava temerosa: o que seria deles no futuro, quando o mundo fosse dominado todo pelo dinheiro e pelo Diabo? E quando ela morresse, o que seria deles e de Juvenal?

E foi com pensamentos assim que preparou um almoço especial. O marido e os filhos chegaram, comeram e foram dormir. Nunca mais acordaram. Dias depois, percebendo um estranho odor que exalava da casa de Dona Eutínia, os vizinhos arrombaram a porta e lá estava ela: na sala de visitas, rezando o terço, cercada pelo marido e pelos filhos envenenados.

“Dona Eutínia, o que foi isso?”, gritou uma vizinha.“Agora está tudo bem, Zefinha, agora está tubo bem. Deixa o futuro chegar. Os meninos estão bem. Agora, eles não têm que ter medo do dinheiro e do mundo.”

* Esta narrativa e ficcional.

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