sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006

O crime do Vectra prateado

 Não se vende uma menina



A elegante mulher desceu do carro prateado, deixou o motor ligado, foi até a favela do Maruim e parou aquele mundo de dor e lama: ali ninguém entendia o que uma senhora tão distinta, tão bonita, tão fina, fazia em meio a tanta pobreza, sujeira, lodo. Simples: ela procurava Dona Maria Oduvalda, até que ouviu: “Está falando com ela.” Sem esperar mais um segundo a mulher sacou uma pequena pistola da bolsa, mirou a mulher e acertou-a no meio da testa. 

A assassina correu, enquanto todos ficavam paralisados. Entrou no carro e fugiu. O crime do Vectra prateado, como o caso ficou conhecido, abalou Natal não apenas pelo fato em si, mas pelo envolvimento dos personagens, o confronto social, a elegância criminosa e a miséria ofendida, indefesa e morta.


Alguém anotou a placa? Não, ninguém anotara a placa, tal o pandemônio estabelecido na favela do Maruim. Mas na cidadde somente se falava na bela e seu Vectra fulminante. Passaram-se 15 dias, os jornais quase não tinham mais títulos para continuar segurando o assunto, até que ela pegou o telefone e ligou para o Delegado Eudóxio: “Doutor, amanhã vou me apresentar ao senhor. Matei aquele mulher. Não, não, não pergunte o meu nome. Apenas me espere às três da tarde que irei, sem escolta e sem medo, a seu gabinete.”


Dia seguinte, no horário aprazado, a elegante mulher chegou à Delegacia e foi direto à sala do delegado Eudóxio. Ele: “E então, por que a senhora matou aquela pobre mulher?” Ela disparou resposta aguda como lâmina de florete: “Matei porque ela era minha mãe.”


“Como?”, disse o delegado, que quase saltou da cadeira. Como seria possível que aquela mulher, finíssima, fosse filha de uma velha miserável, moradora da favela do Maruim? Ela explicou: a velha Oduvalda, viciada em álcool e faminta, a havia vendido ainda bebê a uma respeitável família natalense, família rica, porém impossibilitada de ter filhos. 


Oduvalda, bonita à época, disputada por todos os cafajestes da área, havia conseguido um bom dinheiro com a venda da criança e gastou todo ele em cachaça.

“Mas ela não lhe fez um bem? Não é hoje a senhora uma mulher rica, educada, bem de vida, tranqüila até o último dos seus dias?”, quis saber o delegado.


“Sim”, ela respondeu e arremessou uma rajada de palavras: "Mas não se vende uma filha; não se vende uma menina." E apontando sua pequena pistola para o Delegado, já que ninguém tivera a idéia de revistá-la quando entrava, disse: “Quanto ao senhor, pode querer me prender, mas não tem o direito de prender a menina que ainda existe em mim.” E atirou.

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