quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Mil léguas de dor

Há pessoas com grande talento para não fazer nada.
E o fazem com grande assiduidade.”
(No programa Pequenas Empresas, Grande Negócios)

O drama da seca tem sido retratado historicamente com pleno vigor nos jornalísticos televisivos, bem como em jornais impressos. A cada repetição das longas estiagens são apresentadas matérias dramáticas sob todos os aspectos, mostrando por dentro o sofrimento do sertanejo, bebendo uma água de qualidade indigna até mesmo para animais. Agora, comovente é a coragem do povo, confiando em Deus, certo de que um dia os poderes celestiais resgatarão os pobres da seca. E o noticiário já fala que 2006 não terá boas chuvas. Temo que as velhas imagens se repetirão.

Famílias humildes, famintas, cansadas, caminhando léguas, para obter um pouco de água barrenta, a fim de cozinhar o pouco que lhes resta de comida, beber e tomar banho. São as léguas de dor do nordestino, cansado, sofrido, mas resistindo a tudo, com a coragem do mandacaru e a decisão de ferro dos pés de jurema: jamais cair.

Admirável fé, férrea confiança, só que, nesse caso, objetivamente, os poderes divinos, que ante o olhar do povo são capazes de tantos milagres, em nada podem interferir, uma vez que a seca é fenômeno meramente natural e, para seu enfrentamento, exige-se a participação de alguém que nada tem de divino ou essencialmente bondoso: a presença da chamada classe política e a decisão de fazer cessar a seca pela ação do homem.


Aqui no Rio Grande do Norte, o Governo Garibaldi Filho desenvolveu uma ação louvável, com essa questão da água, através de um programa de adutoras. Mas isso não solucionou os desdobramentos sociais da seca. Geopoliticamente, a situação é dramática e insustentável; tanto quando há centenas de anos, é idêntica certamente à sede sofrida pelas populações que se embrenhavam na caatinga, povoando o Nordeste.


Há bem pouco tempo falou-se muito na transposição de águas do rio São Francisco, mas é solução questionável, uma vez que o Velho Chico está sofrendo um sério processo de assoreamento e pode haver consequências desastrosas, caso o trabalho não seja feito com extrema cautela. Havendo falhas, acaba-se com o rio e não se tem água para as áreas que precisam dessa transposição.

O que falta é visão histórica, o que falta é compromisso, é decisão de fazer pelo Nordeste como um todo. Por que o Governo federal não traz à região propostas amplas de enfrentamento da seca, acionando políticas eficazes para a convivência do homem com a longa estiagem? Reforma agrária, uma política de águas e assistência agrícolas a assentamentos poderiam fazer parte desse leque de ações.Por que, por que não há uma ação programada para se desenvolver segundo o compasso histórico?

Serão essas perguntas de alta indagação filosófica? Questionamentos tão terrivelmente intricados que não se possa pelo menos balbuciar uma resposta qualquer? Não sei. Mas creio que não.

O problema é que não há realmente um grande interesse em dar ao sertanejo a oportunidade de enfrentar a falta da água que cai do céu.
Ou então, se quer dar aos homens e mulheres do campo unicamente a chance de mostrar que têm fé.

Nenhum comentário: