sábado, 21 de janeiro de 2006

O Monstro de Capim Macio

Natal, 1975. A cidade ainda tinha um ar de província. Sossegada, uma cidade floral, uma Natal ainda silvestre. Capim Macio, hoje valorizada, área nobre, era quase um distrito rural e, nesse distrito rural, um homenzinho baixo, moreno, caladão, prestativo e bom ajudante de serviços pesados, pau-para-toda-obra, praticou uma chacina como se viram poucas aqui.

José Vilarim Neto, esse o seu nome, morava em Capim Macio, numa granja (veja só: uma granja em Capim Macio, como Natal era silvestre), que tinha exatamente esse nome: Granja Capim Macio. A granja, local aprazível, retirado, belo, pertencia a uma alemã, Ruth Looman, que morava em companhia de sua mãe, três filhas, uma empregadinha que estava grávida e, pêsames, Vilarim.

Certa noite, por motivos nunca explicados, esse homem teve um acesso de loucura, atacou e matou duas das três meninas, além da avó e da empregadinha. Praticou necrofilia com uma das meninas, cavou um enorme buraco nos fundos da casa e ali jogou seus corpos.

Depois, como uma besta com sede de sangue, armou-se com um rifle que a família mantinha em casa e ficou à espreita de Ruth Looman e sua filha mais nova. Colocou a arma ao ombro, firmou a pontaria para o lado da porteira da granja e ficou dormindo na mira. Quando Ruth chegou, foi recebida a bala: mas um, apenas um tiro a acertou e, mesmo assim, no ombro. O ferimento, de pouca gravidade, permitiu que ela resistisse, enfrentando Vilarim.

Atingida, Ruth, uma mulherona, física e moralmente grande, atirou-se em desabalada carreira para a frente, em meio à quase escuridão, e, naquele instante, com uma idéia fixa: atracar-se com Vilarim: ela sabia que somente lutando conseguiria sobreviver, ela e a menininha. E então, quando Vilarim corria bala na agulha para mais um disparo, pronto!, Ruth chegou até ele, agarrou-o e entraram em luta. Sangrando, a mulher enfrentava a fera, que tentava usar o rifle como tacape.

Ela empurrou a filha para dentro de casa e tentou fechar a porta. Nisso, Vilarim mete o cano do rifle entre a porta e o portal, para impedir a fuga. Ruth não vacilou: dominada nesse instante por uma força descomunal, firmou-se no pé esquerdo, empurrou a porta com o pé direito e, puxando o cano do rifle com as duas mãos, simplesmente partiu o cano da arma em dois (digo isso porque vi a arma partida). Vilarim caiu para trás e a porta trancou-se, deixando protegidos, dentro da casa, dois seres humanos aterrorizados, aterrorizados, mas vivos.

Isso ocorreu, como já disse, em 1975 e o fato ficou conhecido como a chacina de Capim Macio. Vilarim, por sua vez, tornou-se famoso da noite para o dia como o Monstro de Capim Macio. Conseguiu fugir após os crimes, somente sendo capturado cerca de 15 dias após. Quando foi preso, mal conseguia balbuciar palavras sem nexo, não se explicava, não dizia o motivo para a matança, não falava coisa com coisa. Os jornais esgotaram as edições, a cidade parou para ler sobre o Monstro.

As pessoas com medo
Por muito pouco não participei da sua prisão. Eu fora, na companhia de um fotógrafo e motorista do Diário de Natal até um certo Morro da Cabocla, Cidade da Esperança, onde se dizia que ele estaria escondido. Chegando lá, era o maior deserto, um silêncio cúmplice do medo, uma tarde de expectativa de prisão. Caminhamos atentos ao matagal, esperando ver algo. Procuramos, procuramos: nada.


Passamos a um descampado, nada também. Até que chegamos a um grupo de pessoas que estava escolhendo terrenos para construir casas. Eu já supunha que Vilarim não estaria ali e, só por brincadeira, perguntei: “Vocês não viram por aqui um rapaz: assim, assim, assim?”, e dei a descrição do homem.

As pessoas se entreolharam, perguntaram quem eu estava procurando: expliquei que era repórter do Diário e estava à procura de Vilarim. Você precisava ver a cara geral de espanto. As pessoas se entreolharam e, não deu um minuto, todos haviam desaparecido, literalmente fugido. A verdade era essa: Natal estava em pânico com o Monstro.

Desistimos do Morro da Cabocla e, por pura intuição jornalística, rumamos a Macaíba. A idéia surgiu logo que entrei no carro com o fotógrafo e o motorista. Alguém comemtou que a polícia estava fazendo rondas naquela cidade e decidimos ir à delegacia, para acompanhar as investigações. O problema era o tempo, o adiantado da hora. Jornais têm horário certo para fechar as edições. Assim, resolvemos voltar à redação, deixando de ir até a delegacia.

Até hoje lamento essa decisão. Foi o maior azar: se tivéssemos ido à delegacia, teríamos acompanhado os policiais que, horas depois, conseguiam localizar e prender, numa granja nas imediações de Macaíba, o Monstro de Campim Macio. Ele estava ali escondido há cerca de três dias. Pedira emprego e o dono da granja o aceitou. Vilarim era bom de enxada e agradou em cheio ao patrão.

Qual não foi a surpresa do homem quando a equipe de investigadores civis de Macaíba chegou à granja, disse a que vinha e, com o máximo de cuidado, um dos policiais se aproximou de Vilarim, elogiando seu desempenho com a enxada. Ele sorriu e agradeceu. Aí, o policial disse que também sabia trabalhar com a enxada e pediu o instrumendo.

Vilarim sequer desconfiou: quando passou a enxada ao homem, seus companheiros voaram sobre o fugitido e o dominaram. O acontecimento, a chacina, reuniu não só crimes terríveis, mas uma personalidade transtornada, um ser humano desequilibrado que, de um só golpe, trouxe infelicidade e dor a toda uma família, numa das maiores tragédias do noticiário policial do Estado.


  • Eu era repórter principiante e participei da cobertura do começo ao fim. Os detalhes a respeito do acontecimento me foram passados, à época, pelas fontes que vivenciaram o sinistro episódio.

3 comentários:

Júlio Ce´sar Dn disse...

gostaria de saber o paradeiro das pessoas que escaparam , meu avó criou elas até se tornarem adultas , meu avò morava numa granja proximo aonde aconteceu isso tudo e deu toda assintecia p/ elas.

meu email:juliocesardn@hotmail.com

Unknown disse...

Era muito bom saber se essa família ainda reside aqui em Natal. Algum parente ou algo. Senhor Emanoel você poderia ajudar.

Anônimo disse...

Reside sim. Dona Ruth ficou viúva há alguns anos. Mora com a filha. Está bem velhinha, mas aparentemente com boa saúde. Moro há 28 anos na mesma rua que ela e nunca soube exatamente como havia acontecido esse triste episódio. Até ler esse relato... Não vou citar meu nome e minha rua, por motivos óbvios.