quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

Ele veio ver se o passado estava em dia

Em política, o que vale é o negócio,
o acerto e o passo ligeiro.”
(Majó Theodorico Bezerra)

Aos sábados, às vezes, eu saía da Tribuna do Norte, redação velha, Tavares de Lira, idos dos anos 70, e ia ao Grande Hotel, conversar com o Majó Theodorico Bezerra. Ainda me lembro: os cabelos brancos, curtos, a pele curtida de sol. E as conversas. Ah! As conversas do Majó. Contava coisas da sua vida, as viagens pelo mundo, a noite de Paris e dizia:“Moulin Rouge, Pigalle e as moças bonitas cheirando a França...”.

Ele costumava receber amigos e formava uma grande roda. E dizia: “Bebe com os fortes e serás um deles.” E provava: tomava uma cerveja, pedia uma caipirinha, se houvesse vinho também não recusava, descia um uísque, aprontava um Campari, virava uma vodka e o que mais viesse. E não dava qualquer sinal de embriaguez.

Boas horas, boas horas aquelas, comecinho das tardes de sábado. E o Majó nos encantava a todos, com suas histórias. Na Assembléia, o Majó também tinha sua marca registrada: quando lia as atas, o fazia de modo, digamos, bem pessoal: pronunciava uma algaravia de palavras rápidas, quase um murmúrio, saltava parágrafos e, ufa!, logo chegava ao fim.

Dizia ter amor pelo seu povo, o povo simples de Tangará, e disciplinava os moradores de sua fazenda, Irapuru, com uma espécie de decálogo, encerrado mais ou menos assim: “Todos devem trabalhar. E quando for morrer, morra estrebuchando, que é para dar trabalho à morte.”

Certa vez, em discurso, arrepiou o plenário, quando disse: “Nós, deputados, não fazemos nada." A Assembléia toda parou. Os deputados se entreolharam e ele continuou no mesmo tom: "Aqui ninguém faz nada. Fazemos esses discursos, lemos essas atas e, no fim do mês, a gente recebe um agrado... É isso o que a gente faz: vem aqui para receber um agrado.”

Os deputados sofreram uma espécie de rubor cívico, na verdade envergonhados ante as inesperadas palavras que deploraram as modorrentas sessões, muitas vezes inúteis e, sejamos francos, fúteis, em muitos casos. Mas o Majó era assim, sincero, sem meias palavras.

Depois, ele envelheceu severamente e já não mais recebia os amigos no Grande Hotel. O passo tornou-se pesado, caminhava sob o amparo de um rapaz e apoiado numa bengala rústica. Já não me reconhecia mais, cumprimentava-me de maneira vaga e seguia adiante. Muitas vezes eu o via entrando na Assembléia e depois se dirigindo ao Palácio Potengi, hoje Palácio da Cultura, onde visitava as salas e revia os salões enormes e vazios, em meio à calada do Poder.

Subia as escadarias do Palácio lentamente, chegava ao Salão de Despachos e olhava os quadros de artistas-norte-rio-grandeses, o grande lustre de cristal, a prataria. Depois, seguia para um salão ao lado, onde havia um belo piano e ali permanecia embevecido. O Majó olhava, olhava, olhava. E se fazia acompanhar por um grande cortejo de silêncios. Eu também participava e, calado, percebia aquela velha vida se esmaecendo.

Sabe?, eu acho que era como se o Majó estivesse, na companhia do rapaz que o ajudava a guiar seus passos, revendo seus dias antigos, ocultos naquelas paragens de paredes altas. O Majó não queria nada, ele só estava vendo se o passado estava em dia.E quando descia à Ribeira, em busca do Grande Hotel, talvez fosse se reencontrar com as noites de Paris, lembranças das moças bonitas cheirando a França. Grande figura Majó, grande figura...

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