"Ninguém chega às margens
do Rubicão para pescar."
(Albert Camus)
O Jornal Nacional e a novela Prova de Amor, da Record, estão disputando audiência. Numa outra leitura, a realidade e a ficção se enfrentam num mesmo terreno: o argiloso terreno da comunicação de massa. O que há de comum entre os relatos da vida e a ilação da vida? O simples fato de que ambos estão ocupando espaço num meio de comunicação de massa e, especialmente, o fato de que o Jornal Nacional e a telenovela são, tecnicamente, programas. Ou seja: cumprem toda uma liturgia dramatúrgica de som, imagem, cores, movimentos e representações que, de alguma forma, se encontram de maneira paritária no monitor da TV.
Além disso, nota-se outra convergência: a telenovela brasileira abandonou há muito aquele padrão voltado unicamente para um tema central, quando um par de apaixonados, perseguido por alguém infame, jamais conseguia realizar seu terno amor, o que somente acontecia ao final do drama.
Hoje, a realidade das ruas, as mais baixas manifestações do ser humano e manifestações de comportamento discrepantes, como pares de lésbicas ou de gays, integram o quadro das tramas e subtramas novelescas. Claro que há sempre o par romântico, é essencial ao gênero, mas sua circunstância não é mais apenas o infame repressor, ciumento e cruel, mas um infame que tem alta dose de verossimilhança com o mundo de fora, o mundo que está vendo a novela.
Aí está o nó górdio da questão: a verossimilhança. Para a novela, funciona como elemento potencializador das atenções; no jornalismo televisivo, pode remetê-lo não ao real, mas ao mundo mesmo da TV. E isso, na medida que o jornalismo se socorre de atitudes típicas da dramaturgia televisiva, com enquadramentos de câmera que realçam determinados aspectos da realidade, uso de depoimentos e música, especialmente a vinheta sonora, que marca a abertura e fechamento do jornal, do mesmo modo que uma novela.
Assim, à medida que há uma sobreposição de realidades, a realidade da vida versus realidade ficcionada, e, interligando essas duas circunstâncias, registra-se o elo da verossimlhança, estão as duas irrevogavelmente levadas a um mesmo plano: o plano de serem realidades midiatizadas e portanto, de alguma forma, equivalentes.
Desta forma, imagem por imagem, o telespectador ficará com aquela que mais lhe esteja aparentando representar a vida. Claro que não estou me referindo a nenhuma forma de alucinação; as pessoas têm filtros cognitivos que inibem as mensagens que não as atraiam. A questão é que enquanto o telejornalismo, qualquer telejornalismo, exibe um bandido sendo preso, ou um tiroteio, a novela trata com realismo do tema do seqüestro de crianças. De fundo, realidade e realidade ficcionada estão no mesmo plano: estão fechadas na tela colorida da TV.
E, se o telespectador não percebe no jornalismo maior força de captação da vida, não apenas expondo acontecimentos, mas sobre estes exercendo uma ação crítica e cidadã, certamente vai ficar, mesmo que por alguns minutos, com a realidade ficcionada. Até porque todos os telejornais dirão mais ou menos as mesmas coisas. Todas as equipes tratam dos mesmos recortes de mundo.
Já a novela, não. Todo dia, tem um capítulo diferente. E o que está numa, não é encontrado em outra.
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