quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

"Quem vai me pagar a cobra?"

Eu vim para confundir,
não para explicar.”
(Abelardo Barbosa Chacrinha)


A morte de Seu João Vilaça chocou a todos quantos o conheciam. Homem bom, sertanejo de têmpera de aço, tinha, por trás da cara amarrada, um grande coração, jamais negando uma ajuda a quem quer que fosse. Assim, familiares e amigos estranharam muito quando fora atacado e morto por um bandido.O agressor chegou e, sem palavra, disparou a arma uma, duas, três vezes. Seu Vilaça caiu pronto.

Homem querido, o velório recebeu muitas presenças. Todos lamentavam a morte:“Era um velho duro”, disse um amigo. “Se não fosse isso, ainda iria viver muitos anos”, completou uma senhora.As pessoas lamentavam o ocorrido e enfatizavam: mas como isso poderia ter ocorrido? Não houvera discussão, briga, desentendimento algum. Nem mesmo uma tentativa de assalto.

A família lamentava a frieza como o crime fora cometido, o que aumentava a revolta e a dor. Ninguém encontrava explicação e havia mesmo quem pensasse em reunir um grupo de amigos para encontrar e justiçar o matador.“Não se pode aceitar uma coisa dessas. A violência chegou a limites do insuportável para os cidadãos de bem”, reprovava um velho amigo de Seu Vilaça.

Como, porquê o bandido tomara tal atitude frente a um homem velho, indefeso, incapaz de agredir alguém? Nisso, entra na casa um estranho. Esgueirando-se por entre as pessoas, o homem pediu licença a Genebaldo, um amigo do morto, e disse que precisava urgente falar com alguém da família, alguém muito próximo, de preferência filho ou até mesmo a viúva.

Insistia: era assunto importante e somente com uma pessoa assim poderia conversar.O velho tinha prole numerosa. Genebaldo ficou assim..., olhou para um lado, para o outro e afinal seus olhos encontraram a figura de Arminda, a filha mais velha de Vilaça, e que estava em melhores condições emocionais frente à tragédia.

Ela conduziu o estranho à cozinha e dele ouviu a seguinte história: Seu Vilaça sempre havia devotado grande ódio a bandidos. Desde os bandidos convencionais, digamos assim, até aqueles de colarinho branco.“Sei disso”, admitiu Arminda. “E daí?” Daí, prosseguiu o homem, que Seu Vilaça havia encontrado um modo engenhoso de matar bandidos, sem que ninguém desconfiasse.

“Como assim?” Ora, muito simples: toda semana, o estranho, que morava numa cidadezinha do interior, capturava uma cobra, que era levada a Seu Vilaça. Ele recebia, pagava e colocava o bicho numa valise bem trancada. Ele tinha preferência por cascavéis (“Adorava o barulhinho assassino do maracá”), o homem fez questão de detalhar, assumindo ares de grande conhecedor.

“E para que ele queria essas cobras?”, quis saber Arminda. Claríssimo estava, salientou o sujeito: para matar bandidos. Seu Vilaça ia ao Centro da cidade com a valise na mão, encaminhando-se a locais onde notoriamente agiam ladrões especializados em furtar bolsas, pastas, carteiras. Ele se enfiava no meio da multidão, procurando atrair a atenção dos bandidos.

Logo, logo, um deles se atirava sobre o velho e roubava a mala. É claro que, na confusão, na correria, o bicho ficava assanhado e, pouco depois, quando o ladrão abria a valise, a cobra pá!, tacava-lhe a mordida fatal. "E olhe que ele havia matado muitos, muitos desse jeito, viu? Pelo menos uns vinte."

“Então...”, balbuciou Arminda....então, esclareceu o homem, Vilaça fora morto por vingança.“Vingança?, balbuciou a mulher. Sim. Claro. Os marginais terminaram percebendo que estavam sendo vítimas de uma armadilha e abriram fogo.

E afinal, frente a uma Arminda paralisada de susto e dor, o homem arremeteu seu bote:“Sim, minha senhora, foi uma vingança. E eu não posso ficar no prejuízo. E agora por favor decida: quem vai me pagar a cobra?”

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