O bandido que queria virar criminoso
Por Emanoel Barreto
Quando eu era repórter policial
do Diário de Natal, idos de 1974, estava numa delegacia procurando saber de pistas
sobre um assassino conhecido como Mansinho, foragido após matar a amante com 72
golpes de faca. Mas esse assunto será tema de outra crônica. Qualquer dia conto
como esse crime aconteceu.
O delegado não tinha notícias, e
eu dirigi-me ao setor de carceragem para ver se ali obtinha alguma coisa a ser
publicada na coluna Ronda, dedicada a um tipo de noticiário que, na redação,
chamávamos de “queda de bebo”, ou seja: materinhas menores, curiosidade do
submundo do crime, coisas de somenos importância.
Anotei coisas como o caso do
sujeito que pulou uma janela para ver TV escondid, na casa de um ricaço; o bêbado
que queria saber qual a marca da cachaça favorita do seu santo, e por causa
disso abriu o maior pau num boteco porque o dono da birosca não sabia o nome da
marvada; um tipo que bebeu tanto que havia tentado dormir na cama do vizinho. Coisas
assim.
Quando já ia saindo ouvi alguém me
chamando: “O senhor é do jornal?”. Respondi que sim, e ele me disse que tinha
uma “grande notícia”. E o que seria a tal notícia? Respondeu: “É o seguinte:
estou preso porque roubei uma merreca de uma mulher que ia passando. Uns caras me
pegaram e chamaram a polícia. É ou não é uma grande notícia?” Respondi que não
e já ia saindo quando ele insistiu. Queria conversar.
“O senhor tem um minutinho?” Eu
tinha um minutinho e sentei-me no chão, ao lado da grade do xadrez. Ele então começou
a filosofar. Disse que não ia virar notícia porque eu não gostava de bandido,
se ele não fosse bandido, se fosse “um sujeito de prestígio no crime o senhor ia
me dar uma manchetona. Mas como eu sou bandido o senhor vai me deixar de lado.”
Eu não entendia aquele estranho e
amalucado raciocínio e atribuí a alguma terrível e enlouquecedora ressaca. Já ia
me levantando quando ele insistiu: “Espere um pouco, que já termino.” Sentei
outra vez e ele explicou-se: “Se eu fosse um criminoso, aí sim, a coisa mudava
de figura. Já pensou, eu, um criminoso? Um criminoso é outra coisa. Criminoso está
acima de bandido. Bandido só faz roubar. Criminoso não, criminoso é assassino.
Pega e mata. Pronto! Quando eu virar assassino o senhor vem bem depressinha me
entrevistar...”
Calou-se e foi para o fundo da cela
escura... Eu nunca soube se ele conseguiu pular de bandido para criminoso.
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