terça-feira, 13 de junho de 2023

 O bandido que queria virar criminoso

Por Emanoel Barreto

Quando eu era repórter policial do Diário de Natal, idos de 1974, estava numa delegacia procurando saber de pistas sobre um assassino conhecido como Mansinho, foragido após matar a amante com 72 golpes de faca. Mas esse assunto será tema de outra crônica. Qualquer dia conto como esse crime aconteceu.

O delegado não tinha notícias, e eu dirigi-me ao setor de carceragem para ver se ali obtinha alguma coisa a ser publicada na coluna Ronda, dedicada a um tipo de noticiário que, na redação, chamávamos de “queda de bebo”, ou seja: materinhas menores, curiosidade do submundo do crime, coisas de somenos importância.

Anotei coisas como o caso do sujeito que pulou uma janela para ver TV escondid, na casa de um ricaço; o bêbado que queria saber qual a marca da cachaça favorita do seu santo, e por causa disso abriu o maior pau num boteco porque o dono da birosca não sabia o nome da marvada; um tipo que bebeu tanto que havia tentado dormir na cama do vizinho. Coisas assim.

Quando já ia saindo ouvi alguém me chamando: “O senhor é do jornal?”. Respondi que sim, e ele me disse que tinha uma “grande notícia”. E o que seria a tal notícia? Respondeu: “É o seguinte: estou preso porque roubei uma merreca de uma mulher que ia passando. Uns caras me pegaram e chamaram a polícia. É ou não é uma grande notícia?” Respondi que não e já ia saindo quando ele insistiu. Queria conversar.

“O senhor tem um minutinho?” Eu tinha um minutinho e sentei-me no chão, ao lado da grade do xadrez. Ele então começou a filosofar. Disse que não ia virar notícia porque eu não gostava de bandido, se ele não fosse bandido, se fosse “um sujeito de prestígio no crime o senhor ia me dar uma manchetona. Mas como eu sou bandido o senhor vai me deixar de lado.”

Eu não entendia aquele estranho e amalucado raciocínio e atribuí a alguma terrível e enlouquecedora ressaca. Já ia me levantando quando ele insistiu: “Espere um pouco, que já termino.” Sentei outra vez e ele explicou-se: “Se eu fosse um criminoso, aí sim, a coisa mudava de figura. Já pensou, eu, um criminoso? Um criminoso é outra coisa. Criminoso está acima de bandido. Bandido só faz roubar. Criminoso não, criminoso é assassino. Pega e mata. Pronto! Quando eu virar assassino o senhor vem bem depressinha me entrevistar...”

Calou-se e foi para o fundo da cela escura... Eu nunca soube se ele conseguiu pular de bandido para criminoso.

 

 

 

Nenhum comentário: