Seleção falha miseravelmente; aceite, são coisas da condição humana
Não sou chegado a futebol, pelo menos o futebol de hoje. Sou do tempo de
Garrincha, Pelé, Didi, Djalma Santos, Nilton Santos, Vavá...; são como
retratos colados nas paredes da minha memória, alegrias de jogadas de
craques que nunca vi, somente em fotos na Revista dos Esportes iluminando
meu imaginário juvenil com a descrição de jogos sensacionais. Então, eu
tinha a palavra Seleção como uma espécie de termo sagrado, pelo qual tinha
reverência, quase adoração. Depois passou.
Na verdade, esse nariz de cera é
apenas para que eu enviese este artigo e o encaminhe para algo que considero
relevante: o aspecto da condição humana em todas as suas limitações. E ser humano
pode, e sim, muitas vezes experiencia momentos de horror e queda. A debacle da
equipe brasileira é exemplo perfeito.
Nossos heróis subcumbiram. E o heroísmo,
que inconscientemente se atribui ao atleta, implica vitória, grandeza,
exaltação. Especialmente quando tal heroísmo está envolto nas cores nacionais; que
excitam as multidões na sua busca do exercício catártico de purgar seus
lamentos existenciais e sociais nas vitórias daqueles escolhidos como os melhores,
mais pujantes e mais perfeitos exemplares, padrão de grandeza e glamour.
E quando isso não se dá, quando a
hecatombe se consuma, quando o que poderia ser visto como apenas um insucesso
passa a ver vivido como tragédia, temos a percepção, mesmo que difusa, de que vivíamos
uma ilusão: não havia heróis na Seleção, apenas pessoas; inexistia um
acontecimento colossal em si, mas um espetáculo efêmero – a Copa – engrandecido pela ação do marketing; a Seleção
era uma geringonça, uma bricolagem chamada time, não uma plêiade de deuses do
futebol.
Nesse momento, no instante da
queda, a realidade supera o narcisismo oculto em cada brasileiro que de alguma
forma se sente parte da Seleção, batida, superada; e isso nos traz o
desencanto. E vêm as acusações, as culpas apontadas, o “eu não disse?”, o
escapismo de se ver como parte do fracasso, mesmo parcela que mínima e anônima de
torcedor-herói-também-perdedor. Vergonha.
Já dizia Nelson Rodrigues: “A Seleção
é a Pátria em chuteiras.” A frase de efeito, em toda a sua grandiosidade estilística,
nos aponta para a convergência entre os heróis supostos e o país-pátria,
entidade acolhedora, lar geral de riquíssimos e descamisados unidos numa
igualdade de faz de conta.
Nossa Pátria de há muito está sem
chuteiras, sem escolas, sem empregos, sem sapatos, sem justiça, sem... nem é bom
falar. Buscamos, em compensação, fechar nossa ferida narcísica com a busca de um
novo Pelé – inútil. O Rei não voltará.
Console-se. A Copa é apenas uma
forma de campeonato. Daqui a quatro anos tem mais. E perder ensina a nos
prepararmos para a próxima partida: na vida, em casa, no trabalho, em campo
para bater o pênalti.
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