terça-feira, 23 de novembro de 2021

Bolsonaro e o ralo da História

Por Emanoel Barreto

O processo de comunicação social é denso, complexo, mas permeado pela ideologia que lhe é parte integrante, pode resultar em consequências lamentáveis, sequelas políticas cujos desdobramentos podem se estender por longos e perigosos períodos. O fenômeno Bolsonaro é exemplo típico.

Surgido num momento confuso da vida nacional o indivíduo em questão soube bem aproveitar-se do instante. Com um discurso raso, assentado sobre a manutenção de valores tradicionais, evitando falar em problemas sérios como educação, saúde, projetos de obras estruturantes ganhou popularidade. Manejando um linguajar rasteiro, conseguiu atrair a si políticos aproveitadores e, claro, uma parcela da população que viu ali um condutor válido para o cargo de presidente.

Juntou-se a isso episódio da facada, apresentado como um atentado – acontecimento cheio de lacunas e mal explicado – e temos hoje na presidência alguém que age como um desatinado, internacionalmente malvisto, nunca uma figura presidencial.

Centra todo o seu desempenho em torno de dar relevância a coisas que atendem a seu eleitorado protestante, tenta levar a descrédito a vacinação contra a covid, destitui sumariamente ministros que ele veja como futuros candidatos à presidência e cria confusão quanto ao uso de urnas eletrônicas – processo de votação que sempre funcionou bem.

Sim, sem esquecer o desastroso apoio que dá à destruição da floresta amazônica.

Vale também lembrar declarações que mostram toda a sua insensibilidade, como quando foi questionado a respeito do número de mortos pela covid e respondeu com toda a sua boçalidade: “Não sou coveiro.” Isso diz tudo a respeito da pessoa com quem o país está lidando.

Bolsonaro mantém, em termos de comunicação, um eficaz sistema de desinformação na internet, onde elementos a seu dispor disparam todos os dias milhares de textos, fotos e vídeos que o mantêm sempre em destaque; criando casos, estabelecendo contenciosos, dando o que falar.

Com isso esvazia-se o debate sério a respeito de projetos nacionais – que não existem em tal governo – e voltam-se as atenções, por exemplo, para um modesto personagem formado em direito que Bolsonaro quer porque quer ver alçado à condição de ministro do Supremo Tribunal Federal.

A qualificação do pretendente a tão alta responsabilidade é unicamente ser alguém obscuro, mas qualificado por ser “terrivelmente evangélico”, segundo suas próprias palavras. Pronto: ecce homo. Simples assim.

E dessa forma caminha nosso processo histórico: momentaneamente guiado por um grupo de pessoas que trabalham por manejar a favor de Bolso as simpatias populares. Ainda bem que as pesquisas mostram o encolhimento do seu perfil, a queda de prestígio público, o desmanche dos seus pés de barro.

É preciso entender: mesmo que uma mentira seja vista como verdade por efeito de uma alucinação comunicacional patológica, toda mentira é apenas isso: uma mentira. E quando a ilusão se transforma em pesadelo as pessoas começam a acordar.

Bolsonaro está sendo liquidificado por seus próprios engodos. E vai escorrer pelo ralo da História.

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