domingo, 11 de outubro de 2020

 A alegria demencial e a 

História do medo

Por Emanoel Barreto

Aproveitando esses dias eriçados de doença, de alegria demencial em bares e praias e de proclamações hipócritas de que é possível conviver pacificamente com o corona – desde que isso gere lucro a empresários e que tais –, aproveito para reler a “História do medo no Ocidente”.

Trata-se de obra densa, que mostra o quanto somos grandes construtores de nossas crenças, nossos medos e como os vivenciamos em terror e desespero para nossa própria desgraça. 

O trabalho de Jean Delumeau, 695 páginas, não é a mais recomendável leitura para mentes que estejam à beira de uma crise de nervos, dada a realidade do momento.

Como ainda não é o meu caso peguei o livro que andava esquecido em algum canto do meu escritório e parti para viajá-lo pela segunda vez.

Estou exatamente na parte que fala na peste, em mortes e mais mortes, algo bastante semelhante ao que temos hoje em todo o mundo. O autor cita Daniel Defoe, mesmo autor de Robinson Crusoé, quando aquele trata da mortandade e do horror das mortes coletivas no romance “Um diário do ano da peste”.

Defoe afirma que “[...] excessos e deboches, eram então praticados na cidade”, no caso Londres, 1665.

No caso a coincidência é bastante perceptível.  Os “excessos e deboches”, então e agora, resultavam e resultam em desrespeito à ética e à vida de forma diária, crescente e naturalizada.

O deboche é a alegria de risco, o comportamento desvairado que busca momentos de atividade de lazer como se estivéssemos no melhor dos mundos. E não estamos. Isso inverte o sentido do estar alegre, e o substitui pela dilapidação do sentimento da verdadeira alegria, aquela que surge e se mostra no sorriso que aclara e mostra a luz interior de quem vive momento especial de empolgação e se sente feliz mesmo que por alguns momentos.

No nosso caso tudo isso é transformado e encoberto pela máscara suja da inconsequência embriagada que ocupa o lugar da máscara de proteção; aquela que os médicos aconselham: recomendável, prudente e boa.

Os excessos podem ser vistos, por extensão de sentido, no fato ocorrido ontem em Belém do Pará, onde uma multidão faminta de futilidades reuniu-se numa espécie de desespero demencial e invadiu uma loja da Havan. Comprar, comprar, comprar...

Os vídeos exibidos na TV mostram pessoas como que possessas por alguma feitiçaria do marketing partindo para o interior da loja como se ali fossem encontrar algo extremamente valioso cuja perda seria irreparável.

A qual excesso faço referência? Ao excesso de estupidez, ignorância, até mesmo de alguma forma delirante e inesperada de indecência e desrespeito; o desrespeito à vida de si e do outro.

A História do medo no Ocidente nos dá uma lição do quanto somos, a Humanidade, um ser coletivo desprovido de bom senso mesmo estando há milhares de anos habitando a face da Terra.

Aqui e em todo o mundo multidões se fazem de surdas aos apelos para que se contenham. E milhares saem às ruas em busca de sua própria desgraça. Diante de tudo isso relembro um ditado que meus mais velhos diziam, lembrando seus pais e avós: “Boa romaria faz quem em sua casa está em paz.”

 

 

 

 

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