De como fazer a destruição do Brasil para termos um grande futuro
Por Emanoel Barreto
Sou um gutemberguiano velho e antiquado. Poucos dão atenção à minha velha, anacrônica arte. Mesmo assim fui
procurado em minha tipografia por excelente pessoa, que, pelos
modos gentis e gestos refinados, logo vi tratar-se de um sapo. Homem
viajado, elegante e de pensamentos elevados, disse-me que buscava um
editor para uma grande obra intitulada De Mundis Terrificus e Preclarus.
Detalhou-me que seus intentos, que serão mui bem expressos no livro, poderão em muito contribuir para a correta destruição do Brasil e do seu povo; obra que, entende, é urgente e necessária.
Pedi informações a respeito e detalhou-me que trata-se de livro
magnífico, onde se explicará a importância do uso correto das pedras
redondas, aliando-se a isso narrativas a respeito do finis mortificus para o bem do Brasil. E garantiu-me: o melhor do Homem é a sua morte. Todo bom governo deve ter isso em mente, assegurou.
Percebi
imediatamente que é missão de alta relevância e coloquei-me à
disposição. Isto posto, o sapo pediu permissão para convidar à
tipografia dois outros grandes sábios. Atendi imediatamente e pouco
depois desciam de um tílburi um jovem orangotango e um velho e digno
papagaio, cavalheiros de estirpe e condições.
Informaram
que o livro, cujos originais da peça introdutória me foram entregues,
será uma larga e profunda reflexão sobre a condição do homo brasilis.
Conversamos
longamente e, ao fim, eles se retiraram. Eis o que diz o texto inicial
que me foi
entregue:
A
questão humano-brasileira é de alta relevância. Assim, torna-se imperioso
aprofundarmo-nos em seu estudo, uma vez que, historicamente, está
comprovado que temos incrível tendência ao conflito e à nunca solução do
conflito, e aí mesmo está a essência da nossa condição.
Sendo assim, é preciso dar condições ao brasileiro para que procure a sua própria destruição.
Para
tanto devemos nos atilar a desenvolver processos autodestrutivos
aliando a isso as intempéries naturais. Acontecidas estas, devemos
mobilizar máquinas extraordinárias, enormes, ciclópicas, a fim de
ampliar os resultados avassaladores da força dos elementos.
Devemos aproveitar a
destruição decorrente de tempestades, para, a seguir, promover a
construção de grandes buracos em todas as ruas, avenidas e vielas, a fim
de que isso se torne obra d'arte grandiosa e apreciada.
Construídos os buracos
será preciso criar imediatamente uma empresa que refaça tudo, ou seja:
os buracos sejam tapados e, depois de tapados, sejam novamente refeitos e
assim indefinidamente, já que é para isso que os governos foram criados.Tal filosofia é de grande valia.
Em
caso de ação de elementos perigosos, como assaltantes e outros do mesmo
tipo, será preciso criar linhas de financiamento de armas a fim de que
os malfazejos possam executar com perícia e mestria sua grande arte
de roubar e matar.
Mais: os hospitais públicos devem ser fechados ou
tornados ainda piores em seu funcionamento, a fim de estimular as
pessoas a não adoecer. A culpa das doenças são os hospitais. E assim, eliminando-se a causa será extinta sua
consequência, a doença, e por decorrência os doentes.
É preciso
estimular o analfabetismo e os programas sociais de habitação
levando-se as pessoas a procurar cavernas e tendas, que são mais
baratas. E, sem saber ler e escrever, as pessoas não terão intentos
danosos de formular ideias malsinadas, que só trazem o desespero e a
desagregação social.
....................
Como
vê o leitor, trata-se de obra de grande valia que, disseram-me o sapo, o
orogangotango e o papagaio, irá orientar o brasileiro no sentido de um
grande passo para o seu futuro. As bases estão construídas. Agora,
resta-nos trabalhar em seu aperfeiçoamento.
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