terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Lembranças do jornalismo

Um sax para a lua

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Durante o Governo Tarcísio Maia o poeta Sanderson Negreiros foi nomeado para a Secretaria de Assuntos Extraordinários. Sanderson, também jornalista de grande sensibilidade, iria cumprir uma missão: colocar o Governador em contato com o povo e com as gentes simples, uma vez que Tarcísio, cultor de um comportamento discreto, ressentia-se desse tipo de convivência.

Sanderson, logo que assumiu o cargo, criou o que haveria de ser chamado de "Encontros com o povo", uma maneira simples e eficaz de cumprir com o seu projeto: levar TM, como o Governador era chamado nas manchetes, às comunidades humildes. Ali Tarcísio inspecionaria obras, falaria com os homens, com as donas de casa, com as crianças.

Um desses primeiros encontros ocorreu em Mãe Luíza. Foi tudo às mil maravilhas. Tarcísio, feliz, apertava a mão de um e de outro, ouvia reclamos, tomava providências na hora. Depois os encontros foram estendidos ao interior do estado. Então, numa bela manhã de sábado, Tarcísio seguiu a Carnaúba dos Dantas, onde faria a inauguração de uma estradinha que ligava o pequeno município a uma grande rodovia, algo assim.

Eu viajava num carro da assessoria de imprensa, colocado à disposição dos jornalistas. Eu era da Tribuna do Norte; o jornalista Dermi Azevedo representava o Diário de Natal. O carro do governador seguia a exatíssimos 80 quilômetros por hora, velocidade máxima então permitida nas estradas. Antônio Melo, assessor de imprensa, comentou conosco: “Vejam bem, o Governador não permite que se corra mais que isso.”

Chegamos afinal à cidade, que, à época, sequer dispunha de hotel. O prefeito cedeu sua casa ao Governador e comitiva. À noite, missa. E então assistimos a um magnífico espetáculo na igreja do lugar: um coro de vozes femininas entoava músicas sacras, compostas e regidas por ninguém menos que o maestro Felinto Lúcio. 

Eu não havia notado o coral, até ser envolvido por aquele som, ao mesmo tempo arrebatador e singelo, supremo e cândido. Felinto regia como que tomado pelas mãos de Deus. A música fluía de si e refulgia na igrejinha iluminada. Uma vigorosa alegria da fé se espalhava pela noite do sertão.Terminada a missa uma quermesse aguardava o Governador, centro de todas as atenções. Tarcísio, frugal, retirou-se cedo da festa e foi para a casa do prefeito; aquela, que servia de hotel.  

Acompanhamos o governador. E ficamos, eu e Dermi conversando na sala principal da casa. De repente, em meio a um luar desse tamanho, ouvimos música: era um sax, acompanhado pelo suave rufar de um tarol. Eram dois músicos de uma banda vinda de uma cidade paraibana para uma retreta em Carnaúba dos Dantas, também homenagem ao governador. Caminhavam pela praça em frente à casa. Eu e Dermi paramos a conversa para ouvir em silêncio aquela secreta grandiosidade. 

Fardados, o saxofonista e o homem do tarol caminhavam à luz fria da lua. Um vento tímido palmilhava a rua em respeitoso movimento de brisa. À frente o instrumento tocava uma música calma. Tão suave e tão tenra como o orvalho que começava a chegar às flores da praça. Fiquei parado, ou melhor: paralisado, olhos cravados na cena. 

Tocavam Royal Cinema, composta por Tonheca Dantas, irmão do maestro  Felinto Lúcio, de quem, diz-se, teria composições tocadas até mesmo na Capela Sistina, Vaticano. Na verdade os dois músicos tocavam o sentimento da humanidade, ante a presença profunda do luar tão branco. E foram passando, passando, passando, deixando atrás de si a música e logo após ela o silêncio da cidade que dormia ninada pelos dons dos que estão em paz.

Carnaúba dos Dantas. Quando um dia eu voltar, quero encontrar de novo aquela música. Sei que ela está me esperando; oculta em alguma esquina, quem sabe escondida em alguma longa dobra do tempo, tocando em surdina para o sertão ouvir.
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