quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Encontro na Tribuna do Norte esta bela matéria sobre Deífilo Gurgel

O derradeiro verso do folclorista


Tádzio França e Yuno Silva - Repórteres
Cinthia Lopes - Editora

"Este foi um homem feliz. / Trabalhou em silêncio, / sua ração cotidiana / de humildes aleg(o)rias // Nunca o seduziu a glória dos humanos / Nem a eternidade dos deuses. // Fez o que tinha de fazer: / repartiu o seu pão entre os humildes,  / defendeu como pôde os ofendidos,  / semeou esperanças entre os justos, / e partiu, como tinha de partir / feliz com sua vida e sua morte."
Giovani SérgioEntre carrancas e livros, na foto de Giovanni Sérgio: Deífilo era um verdadeiro entusiasta e batalhador das tradições imateriais. Costumava catalogar tudo o que via em suas viagens e encontros. Orgulhava-se de ter descoberto a romanceira Dona Militana.Entre carrancas e livros, na foto de Giovanni Sérgio: Deífilo era um verdadeiro entusiasta e batalhador das tradições imateriais. Costumava catalogar tudo o que via em suas viagens e encontros. Orgulhava-se de ter descoberto a romanceira Dona Militana.

O poema "Epitáfio", escrito em 1994 por Deífilo Gurgel, 85. comprova que o próprio poeta, escritor, pesquisador, professor e folclorista tinha a certeza do dever cumprido há quase duas décadas. E isso, de certa forma, conforta.

Falecido às 11h50 desta segunda-feira (6), após 16 dias internado na UTI do hospital PAPI, em decorrência à falência múltipla de órgãos, Deífilo foi velado e sepultado ontem no Cemitério Morada da Paz, em Emaús. Último elo legítimo entre passado, presente e futuro, o folclorista cumpriu a missão de registrar para a posteridade capítulos importantes de uma tradição intimamente ligada à formação da identidade cultural do povo potiguar. Seu trabalho está impregnado de uma insubstituível sabedoria oral. Deífilo deixa a esposa Zoraide de Oliveira Gurgel, 9 filhos, 17 netos e 6 bisnetos. Ficam também, em caráter inédito, as obras "O Romanceiro Potiguar",  (finalizado, mas sem data de lançamento pela Fundação José Augusto , "No reino de Baltazar" e "O Diabo a quatro".

O POETA E O PESQUISADOR

Deífilo Gurgel se dizia, como Cascudo, um "provinciano incurável". A afirmação tinha mais a ver com a paixão que ele nutria pela cultura de sua terra do que com algum tipo de conservadorismo. Em Areia Branca, onde nasceu, já se via fascinado pelas apresentações de Pastoril e Bumba Meu Boi. Mas até então eram só lembranças de criança. Quando o folclore passou a ser o motivo maior da vida do poeta, escritor e advogado, o próprio Deífilo foi incorporado à história que ele tanto pesquisou e enriqueceu ao longo de 40 anos de trabalho.

Aos 18 anos Deífilo deixou Areia Branca e veio estudar em Natal, no velho Atheneu da Cidade Alta. Corria o ano de 1944.  Já nesse período escrevia sonetos que eram publicados nos suplementos literários da época. O único lazer era jogar sinuca no Café Grande Ponto, antes de ir pra casa. Em 1951 se casa com Zoraide Gurgel, com quem teve nove filhos. Durante a década de 60 Deífilo cursou a Faculdade de Direito; um dos seus professores foi Câmara Cascudo - com quem futuramente teria um belo trabalho em comum.
Alex RégisMorre, aos 85 anos, o poeta e pesquisador Deífilo Gurgel, o homem que, com seriedade e abnegação, dedicou sua vida às pesquisas das danças populares e romanceiros de origem medieval.Morre, aos 85 anos, o poeta e pesquisador Deífilo Gurgel, o homem que, com seriedade e abnegação, dedicou sua vida às pesquisas das danças populares e romanceiros de origem medieval.

A primeira faceta de Deífilo foi a de poeta. No território dos versos lançou os livros "Cais da ausência" (o primeiro, em 1961), "Os dias e as noites", "Sete sonetos do Rio e outros poemas", "Areia Branca, a Terra e a Gente", e "Os bens aventurados".  A prosa veio depois, em forma de pesquisa. O interesse profundo pelo folclore só veio em 1970, quando ele já estava com 44 anos, época em que atuava como diretor de cultura pela prefeitura de Natal. O até então poeta foi incumbido pelo município de organizar um grupo de artistas para um show folclórico. Deífilo foi para São Gonçalo do Amarante e, entre as coloridas fitas esvoaçantes dos galantes, encontrou um novo motivo de fascínio.

"Fique maravilhado e decidi estudar. O primeiro livro sobre o assunto que eu li foi 'Danças Dramáticas do Brasil', de Mário de Andrade. Mário era um gênio!", declarou ele em uma entrevista à poeta Marize Castro, em 2001. Aliás, um dos maiores motivos de orgulho para Deífilo enquanto folclorista teve a ver com a obra de Andrade. A história começa na década de 20, época em que o escritor paulista esteve no Rio Grande do Norte para uma pesquisa etnográfica. Em Pedro Velho, Andrade conheceu Chico Antônio, um dos mais hábeis emboladores de coco que já havia visto. Registrou tudo devidamente em seus livros.

Anos depois, entre 1979 e 1981, Deífilo iniciou um extensa pesquisa sobre as danças folclóricas do RN, viajando por todo o Estado. Ao passar por Pedro Velho, na reta final da viagem, recebeu a dica de um morador sobre um certo embolador de coco "muito bom". Qual a surpresa de Deífilo ao ver que o tal coquista era Chico Antônio, o mesmo que encantou Mário de Andrade 50 anos atrás. O folclorista levou Chico para uma apresentação no programa Som Brasil, cuja apresentação mereceu aplausos de pé.

Outro orgulho de Deífilo foi ter descoberto a maior romanceira do Brasil, Dona Militana, em São Gonçalo do Amarante. O folclorista já havia conhecido o pai dela, no mesmo período em que fazia as pesquisas sobre as danças, nos anos 70. Deífilo registrou em seu gravador séculos de uma tradição oral ibérica, trabalho que o estimulava mais do que tudo. "O que me emociona e me encanta é pegar um gravador e uma máquina fotográfica e sair pelas vilas humildes, sítios e fazendas entrevistando pessoas simples que  sabem coisas que muita gente de academia não sabe", afirmou.

Deífilo Gurgel esteve  ligado por anos ao incentivo da cultura popular no Estado. Trabalhou como diretor do Depto de Cultura da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Natal (SMEC), diretor de Promoções Culturais da Fundação José Augusto e presidente da Comissão Norte-rio-grandense de Folclore. Também foi professor de folclore brasileiro na UFRN por 12 anos.  Seu trabalho também trouxe à tona os trabalhos de mamulengueiro Chico Daniel e de Manoel Marinheiro. Entre os livros sobre folclore estão "Danças folclóricas do RN", "João Redondo - Teatro de Bonecos do Nordeste", "Romanceiro de Alcaçus", "Manual do Boi Calemba" e "Espaço e tempo do folclore potiguar".

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