quarta-feira, 30 de março de 2011

Minha estupidez

François Silvestre, cidadão da vida, escreveu artigo domingo passado no Novo Jornal a respeito da humanidade e sua inominável estupidez. O texto foi, para mim, um reencontro com um amigo que não vejo a anos. Comemorando esse reencontro, enviei-lhe email que compartilho:

Caríssimo François,

Vi, gloriosamente estarrecido, seu artigo de domingo último. Sim amigo,
porque o que você escreveu não é para ser lido, mas visto, apreciado pelo
olhar alumbrado ante mural improvável, ou meticulosamente observado por
visão que se encanta com alguma máquina pequenina e complexa. Foi esse o
meu sentimento. O texto, limitado pelo espaço da mancha gráfica, era
todavia infinito em sua profundidade virtual, o leitor arremetido, puxado
para o centro daquele universo paradoxalmente profundo e plano na página
do jornal.

Serena e lúcida loucura perpassa suas palavras, palavras matizadas,
palavras com cor, volume, corpo. Cor, volume e corpo como somente os
podemos perceber na pintura de um  grande mestre dessa arte que é pintar
com o que se escreve. A palavra vale mais que a imagem quando a palavra é
ela mesma a imagem proposta e visualizada na legalidade interna do texto.
Refiro à  palavra como ato positivo, concretizado, e, sendo assim, visível
no mundo pelos efeitos que provoca. Mesmo que seja um grito, a palavra é
forma corpórea para quem a percebe como escultura. Não estou falando para
os exatos, dirijo-me a quem pensa em paralelo, em contramão, em viés. Uma
conversa amigo, uma grande conversa, é mais que som inteligível articulado
em linguagem; mais que isso, a conversa é monumento.

Sua concepção de humanidade ou de não-humanidade comoveu-me e gratificou o
gesto do meu olhar que via sua obra impressa; e sendo coisa impressa era
imagem, planície a perder de vista. Um marco em meio ao deserto.

Amigo, encerro aqui, mas quero comunicar: tenho me dedicado, nos últimos
tempos, a me tornar um grande, se possível o maior ignorante das cousas e
atos de saber dos que sabem definir o mundo e propor suas soluções. Sou um
ignorante das sabenças definitivas que logo a História revela frágeis como
um dócil vime, sou um ignorante das matemáticas e das lógicas
irreversíveis, sou um ignorante da acurácia que minutos após está cega e
pede um novo modelo interpretativo para atender a intenções as mais
inaceitáveis.

Grato, amigo. Seu artigo, seu mural, mostrou-me que estou no caminho certo
e que devo perseguir a total ignorância. Sabe porquê? Porque continuo sem
entender a lógica, o motivo razoável que dá a alguém a sapiência social, o
direito de ser dono de uma empresa de aviação e nega a outro o direito de
ser dono de um pão, um fugidio pão que lhe mate a fome. E pior: não
entendo porque aquele que tem fome gostaria de ser, ele sim, o dono dos
aviões, de todos os aviões do mundo - e naturalizar tal situação para
sempre.

Abraço grande deste amigo que há anos não o vê,
Emanoel Barreto





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