quinta-feira, 31 de março de 2011

E a multidão chora a partida do homem público

Alencar: o enterro de um grande morto

O enterro dos grandes mortos é um langor público e profundo. Há uma sinceridade momentânea que grita e quer ser ouvida por todos os jornais. É como se o grande morto reunisse em si todas as saudades dos vivos que deixou para trás, e as homenagens fúnebres, rituais, reverentes, compungidas, dessem à multidão que chora, de alguma maneira chora - chora o corolário de mágoas do existir, chora a hora derradeira de todos nós, chora a perplexidade daquele corpo morto - dissessem àquele que deixou de habitar o corpo que sua figura tinha algo de mítico, antepassado. O cerimonial, em sua matriz mais avoenga, é a repetição do gesto do hominídeo ancestral que urrava ante um corpo que, paralítico de vida, ele agitava, perplexo e inutilmente, buscando trazê-lo de volta ao grupo.

As homenagens a José Alencar não fogem ao padrão. O homem público, agora elevado à condição de desamparo coletivo, agrega à sua condição de grande morto o fato pesaroso de que jamais voltará. Torna-se no noticiário um ser único e, no jornal, encobre as demais informações, como diz Maurice Mouillaud. O fim de um grande homem torna-se o enigna da vida, do viver em sociedade; o enigma do seu discurso, da utopia que defendia, qualquer seja essa utopia, excelsa ou chã, o reveste como armadura histórica e imutável. 

O grande morto, repito, reúne em si todas as saudades, pelo menos no momento em que o paradoxal momento dessa passagem o torna reluzente em todas as manchetes. Depois as saudades se aquietam e voltamos todos a esperar que surja novamente um grande morto. E então a multidão de carpideiras voltará às ruas e clamará àquela perda. Que, no fundo, a todos nós nos atinge e nos faz pensar. Melancolia.

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