A montanha dos sete abutres e os mineiros chilenos
Emanoel BarretoEm 30 de janeiro de 1925 no estado do Kentucky, EUA, o camponês Floyd Collins penetra na mina de Sand Cave, de instáveis condições de segurança, em busca de galerias que atraíssem turistas. Movimentando-se em situação perigosa, acaba por ficar com braços e pernas paralisados pelas rochas que se acumularam ao seu redor. Ele havia deslocado uma grande pedra que ao se mover propiciou o desastre.
Daquele dia a 16 de fevereiro ele ficou só, sem alimentação ou atendimento médico. As condições da época impediam qualquer auxílio efetivo, apesar das tentativas feitas para ajudá-lo. Homens meteram-se terra adentro, mas nada conseguiram fazer. Naquele dia de fevereiro, afinal, foi encontrado por equipe de salvamento. Estava a pouco mais de 16 metros de profundidade. Morto.
Ao longo de todo o período formou-se grande ajundamento de imprensa. Mais de 1.200 jornais cobriam o fato, que transformou-se em espetáculo, com todas as manifestações negativas que esse tipo de cobertura suscita. O rádio também compareceu.
Um repórter, Skeets Miller, do Courier Journal, chegou bem perto dele e quase conseguiu retirá-lo. Do lado de fora da minha o uísque moonshine, de fabricação caseira, corria solto apesar da lei seca. Serviço religioso foi aprontado para pedir pela salvação daquele homem, "um cristão às voltas com o mal".
Enfim, todas as manifestações do senso comum, da solidariedade mística ao mais barato sensacionalismo, acorreu à pequena Cave City, local onde ficava a mina. A série de reportagens valeu a Miller o Pulitzer.
O episódio serviu de inspiração ao filme A montanha dos sete abutres, com Kirk Douglas no papel de um repórter inescrupuloso, que ao final se arrepende de seus métodos.
Qual a ligação entre aquele acontecimento ocorrido no primeiro quartel do século passado com a situação de hoje, vivida pelos mineiros no Chile? A primeira, claro, é a prisão de 33 homens no interior de uma mina, ou seja: a condição humana, lá e cá, que nos expõe aos riscos e misérias próprias do nosso existir.
A segunda diz respeito ao espetáculo; muito embora, pelo que sei nos noticiários, não se esteja organizando um carnaval, como no Kentucky. Modernos meios de comunicação apropriados para tais circunstâncias permitem-nos entrar em contato com os prisioneiros da tragédia; o que, para as famílias, é consolador.
De qualquer maneira há uma crescente expectativa, já que os homens somente deverão estar livres em novembro ou dezembro. Eles não sabem disso. A tragédia assume condições aflitivas. A situação é gravíssima, os trabalhadores estão em situação desalentadora: pelo menos dez quilos mais magros, têm diarreia e são alimentados aos poucos - cumprindo-se o que determinam especialistas em tais casos.
Estão a 688 metros de profundidade e experimentam sem dúvida sentimentos os mais terríveis: angústia deve ser o menor deles.
Temos com eles proximidade afetiva. De alguma forma alguma parte de nós está emparedada naquela mina de cobre no Chile.
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