quarta-feira, 13 de setembro de 2006

A Menina Solitária nunca foi santa

Se você gosta dos filminhos do You Tube e acredita em tudo o que vê por lá, leia a matéria abaixo, transcrita do Estadão. Em seguida, comento.

SÃO PAULO - Ela mostra seu quarto em vídeos na Web. Olha diretamente para câmera, faz confissões pessoais, fala da família, do amigo Daniel. "Nunca fui numa festa", diz num dos vídeos.

Talvez seja a sinceridade com que conversa. Talvez seja a solidão, patente em seu nome (garota solitária, na tradução literal) e em suas confissões para a webcam, que fizeram seus vídeos serem assistidos milhares de vezes por visitantes do portal.

Pena que lonelygirl15 não passe de mais uma criação de uma agência, numa tentativa de capturar o chamado efeito viral, que faz com que vídeos engraçados ou irônicos caiam no gosto popular e se espalhem como febre com menção em blogs e por redes de e-mail e mensagens eletrônicas.

O assunto só veio à tona nas últimas semanas, quando blogs e sites especializados começaram a debater se a história era verdadeira. Tudo veio abaixo quando três fãs, motivados pela curiosidade, rastrearam um e-mail enviado pela garota, apenas para descobrir que a mensagem havia saído da agência de talentos Creative Artists Agency, de Beverly Hills.

A história chegou depois ao Los Angeles Times, que questionou a CAA pela história. A empresa, afirmou que "não confirmaria nem negaria estar envolvida com os vídeos da lonelygirl15."

A confissão veio só agora, em matéria publicada pelo jornal The New York Times: a adolescente, que dizia se chamar Bree, é a atriz Jessica Rose. Segundo a matéria, o vídeo é parte de um projeto piloto do que deverá se tornar um filme.

E que pode ter sucesso duvidoso, já que é difícil prever que os fãs da garota solitária continuarão a acompanhar seus comentários agora que se sabe que tudo não passou de uma armação.

ARMAÇÃO ILIMITADA
A capacidade de falseamento da realidade está tomando rumos extremamente perigosos. E a internet está se tornando o ambiente de comunicação ideal para esse tipo de comportamento. O computador, interligado à grande teia, funciona como elo de uma corrente que une pessoas que jamais se conhecerão, jamais trocarão uma palavra, mas estão virtualmente unidas. Uma relação instável, mas sempre uma relação.

O caso da menina solitária é bastante típico: uma pessoa que não se sabe exatamente em qual ponto dos Estados Unidos se encontra, de repente aparece mostrando seu quarto, expondo sua intimidade, falando de si, insinuando solidão e sofrimento, ao mesmo tempo em que se escondia.

Estava escondida pois o nome não era declinado, apenas usava um indicativo para suscitar alguma forma de sentimendo de atração, piedade, solidariedade, curiosidade ou simplesmente voyeurismo consentido.

Na verdade ela não se queria presença, antes se propunha enigma: "Onde estou? Você jamais descobrirá...Você não me vê, apenas aprecia a minha imagem..." Essa era a verdadeira mensagem da Menina Solitária.

Por trás disso tudo havia todo um sistema de - a expressão é forte mas creio que é essa mesmo - depravação comunicacional, voltado para o tal efeito viral: o espalhar de uma informação na net objetivando formar e manipular público.

Criava-se um fetiche, uma menina-fetiche, um pastiche de ser humano. Ela falsificava um ato relacional, com não se sabe exatamente quantas centenas de milhares de pessoas em todo o mundo. Todas vendo um holograma comportamental. O que ela diria na próxima aparição?

O computador é uma tela por onde podem entrar a magia e a cidadania; mas é também a porta por onde se invade a mais íntima privacidade do ser humano: sua boa fé e seus sentimentos de solidariedade, seu afeto.

A Menina Solitária feriu fundo corações e mentes, somente para servir ao deus mercado e para atender a seus inescrupulosos sacerdotes de mãos de dólar.

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