"Muitas são as leis num estado corruptíssimo."
(Tácito, orador romano)
SÃO PAULO - Depois de ficar presa durante 128 dias no Cadeião Pinheiros, acusada de ter roubado um pote de manteiga, a doméstica Angélica Aparecida Souza Teodoro, de 18 anos, foi libertada na manhã desta sexta-feira. Ao sair do cadeião, Angélica, emocionada, abraçou a mãe, Maria Nazaré de Souza, de 48 anos.
Na noite de quinta-feira, 22, o ministro Paulo Gallotti, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu a liminar que determinou a libertação de Angélica.
Angélica entrou com pedido de habeas-corpus no Superior Tribunal de Justiça após ter o pedido negado pela justiça paulista. Desempregada, a doméstica tem um filho de dois anos. A defesa da doméstica argumentou que, ao tentar furtar o pote de manteiga, no valor de R$ 3,20, não houve ameaça contra o dono do estabelecimento, o que não justifica a prisão. Além disso, o fato de ela estar passando fome no momento do crime ameniza o delito.
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A notícia acima foi retirada d'O Estado de S. Paulo e, não fora pela dramaticidade que em si o caso encerra, poderia muito bem constar entre os textos de Kafka, o escritor que retratava a realidade como um absurdo.
O que essa senhora praticou - e disso qualquer advogado sabe - foi o chamado furto famélico, aquele em que o ser humano, não tendo condições econômico-financeiras, nem mais a quem apelar, seja como mendigo ou como alguém que busque alguma forma de apoio junto a amigos ou familiares, pratica furto de pequena monta, cuja subtração não levará à falência ou prejuízo maior, físico ou material, o proprietário da coisa furtada.
O furto envolveu um pote de manteiga de valor ínfimo, mas, para a vítima - sim, aquela senhora é uma vítima da estrutura da sociedade brasileira - totalmente inacessível, dada a sua condição de extrema pobreza, agravada pelo fato de estar desempregada. Mas, qual o resultado? Nada menos que 128 dias de cadeia. Junte-se a isso a morosidade cruel da Justiça paulista, que a manteve presa, quando pediu por liberdade.
Não é preciso ser um jurista para ver que aquela moça furtou por absoluta necessidade. Mas não entendeu assim o julgador paulista. Foi preciso o caso chegar ao Supremo, para ser deferida sua soltura.
Enquanto isso, nos escaninhos do Poder figurões e maiorais lotam suas contas com dinheiros escusos e, disso todos já sabemos: nada lhes acontecerá. O plenário da Câmara dos Deputados já virou palco da dança da deputada Ângela Guadagnin, que, entre o grotesco e o ridículo, oscilava sua balouçante alegria comemorando a liberação de um dos usufrutuários do mensalão.
Em artigo no Jornal de Hoje, o procurador de Justiça Luiz Lopes de Oliveira Filho, escreveu: "Ângela e sua dança, para mim, foram o epílogo da decência." A força da imagem, a fineza estilística sintetizam bem o estado de depravação a que chegamos: comemora-se com macaquices num plenário a absolvição de um tipo que participou notoriamente de um esquema de corrupção.
Rui Barbosa tinha razão: no Brasil já há quem tenha vergonha de ser honesto e comemore escancaradamente a vitória dos que vivem às custas da pobreza do povo. É realmente o epílogo da decência.
Um comentário:
Também fiquei indignado e fiz um post sobre essa vergonha da justiça brasileira. se devemos Punir um furto famélico desta maneira imagine o latrocinio por exemplo. Obrigado por ajudar a denunciar esta injustiça.
Um abraço
Marco Aurélio
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