sábado, 10 de fevereiro de 2024

 Bolsonaro e a viagem de urubu

Por Emanoel Barreto

A sequência de atos e desatinos de Bolsonaro ao longo do seu período presidencial, e tudo o que experienciou e perpetrou em sua fase pós-derrota, especialmente as tramas e a tentativa de golpe, ocorreram em tempo histórico brevíssimo. Não deve ser pequeno o espanto de seus fãs, que, num inesperado instante, viram seu mito ser  despejado da presidência para a condição de pessoa em vias de prisão.

Ele queria ser inspetor de quarteirão do país e virou um tipo suspeito, a polícia tem o seu prontuário.

Despreparado, inculto, insolente, Bolsonaro mobilizou a seu favor e em torno de si o que havia de pior na política brasileira, bem como atraiu as mais atrasadas formas de manifestação ideológica, incluindo-se aí religiosos ultraconservadores. Não esqueceu o poderio das Forças Armadas, convicto de que ainda estávamos nos idos de 1964, e cooptou chefes militares predispostos a insanidades golpistas.

Envolto em seus próprios sonhos, devaneios caóticos e escuras intenções de poder, agiu como o personagem chapliniano no filme O ditador, na performance do globo terrestre. O demencial personagem deleitava-se, brincando com um volumoso globo de plástico, objeto do seu fetiche de mandão. O tiranete deliciava-se em inebriante alucinação fazendo o balão flutuar, girar, subir e descer ao seu toque: afinal, estava ali o seu mundo, havia ali uma coisa sua, preciosa e passiva.

A cena tem a duração de dois minutos e doze segundos, até que o globo estoura. O lamentável potentado percebe então, chocado, que seu balão nada mais era que uma bola de encher, não a Terra, o planeta, o mundo que queria dominar. Ele havia criado e cultuado uma ilusão, dando-lhe forma e consistência numa esfera frágil, que logo se desfez: pá!

Bolsonaro também viveu seus dois minutos e doze segundos de devaneio como presidente, mito, chefe, ídolo, líder, grande condutor, maioral, comandante, guia, mestre e prócer. A lista de atributos seria enorme para expressar a monumental figura de homem da pátria que pretendia encarnar e ser.

Deus, pátria e família formavam o tripé de sua aventura, que afinal deu no que deu. E hoje todo o seu público, seus fãs, então desvairados e agora perplexos, lastimam o desastre do seu ditador de cinema mudo e devem estar dizendo: “Ohhhhhhhhhhhhhh!”

E se lamentam ao  descobrir que a realidade não é uma projeção daquilo que se deseja, mas um complexo de fatos desafiantes. A realidade não é um devaneio, a realidade pode ser um tombo.

Os acontecimentos em torno de Bolsonaro precipitam-se, seu passaporte já foi recolhido e as autoridades dão prosseguimento aos atos jurídicos que certamente vão resultar em sua prisão.

Olhando-se tudo o que produziu e a forma troncha como agiu enquanto ator social, pode-se muito bem fazer uma comparação. Pode-se imaginar alguém que acredita cegamente numa afirmativa que parece ser verdadeira, quando em verdade trata-se de um equívoco.

Suponha que alguém vai fazer uma longa viagem e para tanto precisa embarcar num avião. Ao comentar com um amigo a respeito de sua partida o sujeito lhe diz: “Não viaje de avião: viaje de urubu, pois nunca de ouviu dizer: ‘Um urubu caiu matando todos os seus ocupantes.’”

Bolsonaro acreditou nessa conversa e embarcou num urubu. Deu no que deu. Tenho dito.

Nenhum comentário: