Bolsonaro e a viagem de urubu
Por Emanoel Barreto
A sequência de atos e desatinos
de Bolsonaro ao longo do seu período presidencial, e tudo o que experienciou e perpetrou
em sua fase pós-derrota, especialmente as tramas e a tentativa de golpe,
ocorreram em tempo histórico brevíssimo. Não deve ser pequeno o espanto de seus
fãs, que, num inesperado instante, viram seu mito ser despejado da presidência para a condição de pessoa
em vias de prisão.
Ele queria ser inspetor de quarteirão
do país e virou um tipo suspeito, a polícia tem o seu prontuário.
Despreparado, inculto, insolente,
Bolsonaro mobilizou a seu favor e em torno de si o que havia de pior na política
brasileira, bem como atraiu as mais atrasadas formas de manifestação ideológica,
incluindo-se aí religiosos ultraconservadores. Não esqueceu o poderio das
Forças Armadas, convicto de que ainda estávamos nos idos de 1964, e cooptou chefes
militares predispostos a insanidades golpistas.
Envolto em seus próprios sonhos, devaneios
caóticos e escuras intenções de poder, agiu como o personagem chapliniano no filme
O ditador, na performance do globo terrestre. O demencial personagem deleitava-se,
brincando com um volumoso globo de plástico, objeto do seu fetiche de mandão. O
tiranete deliciava-se em inebriante alucinação fazendo o balão flutuar, girar,
subir e descer ao seu toque: afinal, estava ali o seu mundo, havia ali
uma coisa sua, preciosa e passiva.
A cena tem a duração de dois
minutos e doze segundos, até que o globo estoura. O lamentável potentado percebe
então, chocado, que seu balão nada mais era que uma bola de encher, não a
Terra, o planeta, o mundo que queria dominar. Ele havia criado e cultuado uma ilusão,
dando-lhe forma e consistência numa esfera frágil, que logo se desfez: pá!
Bolsonaro também viveu seus dois minutos
e doze segundos de devaneio como presidente, mito, chefe, ídolo, líder, grande
condutor, maioral, comandante, guia, mestre e prócer. A lista de atributos
seria enorme para expressar a monumental figura de homem da pátria que pretendia
encarnar e ser.
Deus, pátria e família formavam o
tripé de sua aventura, que afinal deu no que deu. E hoje todo o seu público,
seus fãs, então desvairados e agora perplexos, lastimam o desastre do seu
ditador de cinema mudo e devem estar dizendo: “Ohhhhhhhhhhhhhh!”
E se lamentam ao descobrir que a realidade não é uma projeção daquilo
que se deseja, mas um complexo de fatos desafiantes. A realidade não é um
devaneio, a realidade pode ser um tombo.
Os acontecimentos em torno de Bolsonaro
precipitam-se, seu passaporte já foi recolhido e as autoridades dão prosseguimento
aos atos jurídicos que certamente vão resultar em sua prisão.
Olhando-se tudo o que produziu e
a forma troncha como agiu enquanto ator social, pode-se muito bem fazer uma
comparação. Pode-se imaginar alguém que acredita cegamente numa afirmativa que
parece ser verdadeira, quando em verdade trata-se de um equívoco.
Suponha que alguém vai fazer uma
longa viagem e para tanto precisa embarcar num avião. Ao comentar com um amigo
a respeito de sua partida o sujeito lhe diz: “Não viaje de avião: viaje de urubu,
pois nunca de ouviu dizer: ‘Um urubu caiu matando todos os seus ocupantes.’”
Bolsonaro acreditou nessa
conversa e embarcou num urubu. Deu no que deu. Tenho dito.
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