A vingança de Maria Saberé
Por Emanoel Barreto
Já falei aqui sobre Maria Saberé. Foi uma das maiores arruaceiras do território formado pelos bairros Ribeira/Rocas. Era a senhora do tapa, do chute, do berro e da pancada; da lapada de cana e de topar parada com radiopatrulha.
Eu a conheci em 1974, quando no Diário de Natal me iniciei no jornalismo como repórter de polícia, na época chamado de repórter policial. Uma espécie de paralelismo com a expressão repórter político. Pois bem, certa vez fui a uma delegacia nas Rocas e ela estava presa, sozinha; se ficasse com outra mulher na cela era briga na certa.
Assim que que me viu disse: “Barreto, você por aqui de novo? Vai ser preso ou veio me visitar?”, e soltou sua cortante gargalhada. Respondi: “Pois é. Não fui preso, mas vim lhe visitar. E o que você me conta? O que fez para estar aqui? Festa boa?”
Resumindo, ela tinha feito o seguinte: havia bebido muita cana com um sujeito, na certeza de que ele pagaria a conta. Mas o camarada, depois de muito beber, quis sair de fininho. Saberé percebeu a maranha e partiu para cima dele empunhando a garrafa de cachaça.
Espatifou a garrafa na cabeça do homem e aí formou-se a confusão. Foi pernada pra todo lado, murros, chutes e quedas. Afinal foi dominada e uma guarnição chegou para levá-la a seus, digamos, aposentos.
E foi naquela delegacia, como hóspede da malandragem, que nos reencontramos. Ela sentou-se no chão e eu fiz o mesmo. Aí, ela disse o seguinte: “Vou lhe contar uma história. A história da minha vingança. Posso?”
Claro que podia, eu disse. Ela narrou o que se segue. Quando criança tinha um problema com a filha da vizinha. Coisa de criança que se transformou em ressentimento mútuo. Uma briguinha à toa por causa de uma boneca e pronto: uma ficou com ódio da outra.
Ao longo da vida tiveram muitas discussões, trocaram tabefes em bares mequetrefes, aprontaram muito. Depois, a outra desapareceu. Anos depois Saberé descobriu: “A sujeita tinha se casado, sabia? Ela se casou e eu não era nada. Só uma bagaceira. Não gostei, e aí fui me vingar.”
A vingança consistiu basicamente no seguinte, mas não foi “basicamente no seguinte” em sentido de coisa pouca. Foi basicamente no seguinte que ela simplesmente invadiu a casa da inimiga munida de uma barra de ferro e começou e quebrar tudo.
Não havia ninguém em casa e ela fez a festa: destruiu todos os pratos, rasgou colchão, quebrou cadeiras e um sofazinho, transformou em tiras todo o guarda-roupa do casal, virou a mesa de pernas para o ar. Deixou todo o interior da casa um arraso. Levou a tarde inteira fazendo isso. A casa era em Mãe Luiza e os vizinhos nada perceberam.
Depois de feito o desastre saiu calmamente. Puxou a porta da frente e escondeu-se nas imediações. O casal chegou à noitinha e entrou em casa. E aí Maria Saberé me disse que ouviu um grito da mulher – “A danada ficou desesperada, visse?”
Ela saboreou em silêncio sua vitória. Contou que depois desceu à Ribeira, entrou num bar, pediu uma dose de cana e pouco abriu um azar: baixou o pau num bêbado de quem não gostou. Conseguiu fugir, levou a garrafa de cachaça debaixo do braço e comemorou em seu casebre a miserável proeza.
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