quinta-feira, 29 de abril de 2021

O bêbado e os monstros que vivem no Brasil

 Por Emanoel Barreto

 Não sei se você recebe ligações telefônicas estranhas, dessas que o telefone toca, toca, toca e quando a pessoa atende fica tudo em silêncio. Ou então é algum indivíduo querendo convencê-lo a abrir conta num banco ou pegar empréstimo. 

 Talvez você não, mas eu sim. Às vezes dezenas de vezes no mesmo dia. É como se fosse um cerco, o assédio a uma cidade sitiada sendo eu o único morador dessa cidade. Assim, diante de tanta chateação resolvi não mais atender: o telefone toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca, toca e eu não atendo. 

 Mas ontem, após mais de dez chamadas, resolvi aceitar a ligação. Era a voz de um homem que eu não conhecia. Estava claramente bêbado. E tão logo eu disse alô ele informou-me com todas as letras: “Cuidado, há perigo em toda parte; monstros caminham entre nós e logo poderemos estar todos mortos.”

 Logo percebi tratar-se de algum louco sublime apreciando suas seis ou sete doses de uísque e topei a conversa: “Sei disso”, garanti. “Sei mais. Descobri que meu vizinho da esquerda é um perigoso monstro abissal que está pronto para atacar-me a golpes de clava a qualquer momento.”

 Ele respondeu: “A coisa é mais séria que isso. O perigo são os monstros do pensamento, os monstros da alma, os que querem invadir nossa mente e controlar nossos atos.”

 Pensei que ele iria enveredar por uma narrativa voltada para ETs ou algo que o valha, mas o sujeito passou com incrível clareza a expor uma série de pontos de vista que comprovam que temos monstros realmente em todo o país. 

 Monstros que são um prodígio de brutalidade e terror, ameaças, ódio e medo. E o que parecia ser uma conversa de bêbado transformou-se numa exposição veemente acerca da vida nacional. 

 Falamos mais um pouco. Ele disse que ia pegar mais uma dose de uísque. Eu disse tudo bem e esperei. Ele não voltou mais. Cinco minutos depois o telefone foi desligado. Antes uma delicada voz feminina pediu desculpa: “Por favor, não leve e mal: meu marido quando bebe fica pensando que o Brasil é uma terra perigosa. Não leve a mal.” E desligou. 

 Não levei a mal. Havia sido uma ótima conversa. Mas de uma coisa fiquei convencido: o Brasil é uma terra perigosa. 

Imediatamente passei a chave na porta.

 

 

 

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